Cinco pontos para entender a greve geral na Argentina

A jornada de 36 horas de protestos contra as medidas econômicas de Maurício Macri, incluindo uma greve geral de 24 horas, configuram um cenário que pode ser lido através de cinco temas essenciais.

Por Martín Granovsky

Greve Geral na Argentina - Divulgação

1) A comunhão entre as organizações sindicais foi superior às suas diferenças. As duas vertentes que utilizam a sigla CTA (Central de Trabalhadores Argentinos) convocaram juntas uma jornada de protestos, iniciada ao meio dia da segunda-feira (24), finalizando à meia-noite da quarta-feira (26). Contou com a adesão do setor da Confederação Geral do Trabalho (CGT) liderado pelos caminhoneiros Hugo e Pablo Moyano, e que também conta com o apoio da Corrente Federal, que inclui, entre outros, os bancários de Sergio Palazzo, os professores particulares de Mario Almirón e María Lázzaro, e os supervisores de eletricidade de Carlos Minucci. Todos eles criaram, na semana passada, uma nova iniciativa, a Frente Sindical para o Movimento Nacional, com uma característica: os membros dessa frente que estão na CGT não formaram uma central nova. A CGT, dirigida pelo triunvirato Héctor Daer, Carlos Acuña e Juan Carlos Schmid, preferiu aderir somente às 24 horas de greve durante a terça-feira, ao menos oficialmente. Mas é o suficiente para dizer que nem todos os setores estavam presentes na manifestação desta segunda – mas quase isso.

2) Além da plena recomposição da unidade sindical, as organizações sociais também formaram parte de uma mobilização que começou em grande escala, com marchas em todo o país, e com enorme possibilidade de chegar a ser uma greve potente. A recomposição inclui grupos como Bairros a Pé e a divisão política da organização Livres do Sul, liderada por Victoria Donda e Daniel Menéndez. Quem também vai ganhando cada vez mais peso político é Juan Grabois, do Movimento de Trabalhadores Excluídos e da CTEP (Confederação de Trabalhadores da Economia Popular). Essa primeira leitura sugere que a recomposição orbita ao redor da sigla CFK, como se tudo se limitasse a que Donda e Grabois acatem ou não a liderança de Cristina Fernández de Kirchner. A questão é mais complexa que isso. Politicamente, o que se discute é se Cristina é um limite para a esquerda, não se é a única liderança possível.

3) O protesto sindical e social se traduz em iniciativas políticas. Um caso que explica essa situação é a reunião de dirigentes sindicais com Sergio Massa, líder da Frente Renovadora (corrente do peronismo contrária ao kirchnerismo), na qual participaram Facundo Moyano e Marco Lavagna. “A Argentina necessita de uma alternativa a um governo que hoje representa uma perda sistemática do poder de compra dos setores mais vulneráveis”, disse Massa a outros dois líderes sindicais, Carlos Acuña e Omar Plaini. Não foi um encontro para se chegar a acordos. Até agora, o único peronista aspirante à Casa Rosada que não participou em jogo de alianças com o movimento social é o governador da Província de Salta, Juan Manuel Urtubey. Mas ninguém que se reivindique peronista pode se manter alheio a uma greve sindical majoritária. Esta é outra porta que ficará aberta, e com vários dirigentes sindicais tendo uma cópia das chaves.

4) O jogo governamental das ameaças políticas (contra opositores que se opõem às medidas do governo) já não é suficiente, por dois motivos. Um desses motivos é que o governo está fragilizado, muito mais do que no começo do mandato de Mauricio Macri, quando sua popularidade garantia o sucesso dessa estratégia. A outra razão é a crise econômica e social, que é a principal preocupação de nove em cada dez pessoas, segundo o Centro de Estudos de Opinião Pública. A queda do consumo em quase 5% desde janeiro e os 12% de desemprego na Grande Buenos Aires, junto com a disparada do dólar (aumento de quase 90%) e dos preços no atacado (51% nos últimos doze meses), fazem com que seja muito mais difícil para o macrismo soar como uma força política confiável quando tenta atacar a imagem dos sindicatos e mostrá-los como instituições desprezíveis. As declarações dos ministros Dante Sica e Guillermo Dietrich sobre a greve ser “política” dispensa comentários. Se trata de uma rotina deprimente, repetida por todos os governos que não conseguem conter protestos generalizados.

5) A política governista fica nitidamente marcada. Fracassou tanto na administração das finanças do Estado como nas políticas para a economia real. Hoje, sequer consegue apostar em uma agenda alternativa. Macri, assim como Fernando de la Rúa em 2000 e 2001, tenta ser uma espécie de messias. Enquanto o Papa Francisco pede que “rezem por mim”, Macri usa o seu “acreditem em mim”. As apostas do governo são financeiras: dólar com preço fixado durante alguns meses, nova chance de investimento para os especuladores e fundos abutre que o escutaram em Nova York, durante a reunião organizada pelo diário Financial Times, e entrada de dólares graças ao aval da Casa Branca. E depois, quem sabe, outra vez a promessa de que tudo será melhor no segundo semestre de 2019 (justamente o das eleições presidenciais), e em 2020.

Sem subestimar o poder do governo para atomizar a oposição (sua meta é criar barreiras entre os diferentes graus, separando o antimacrismo do não-macrismo moderado), depois de 33 meses e meio de gestão, a proposta governista deixou de ser uma novidade. A novidade agora é a quantidade e a diversidade de motores sociais em marcha. Até junho de 2019, quando se definirão as pré-candidaturas, os dirigentes terão por diante nove meses para se tornarem em uma maquinária política competitiva. A não ser que alguém pense, ingenuamente, que a alternativa ao macrismo pode se limitar à resistência sindical.