EUA serão Venezuela? O desespero de Trump frente uma possível derrota

Em novembro desse ano, acontecerão nos Estados Unidos as eleições legislativas. Diante da ascensão da ala mais socialista dentro do Partido Democrata e dos últimos escândalos do governo Trump, os republicanos correm o risco da derrota

Por Alessandra Monterastelli

Trump em Nevada

A campanha para as eleições legilsativas de novembro nos Estados Unidos já começou sob tensão. Em pouco mais de um mês, os eleitores decidirão o futuro do governo Trump, caso os republicanos percam poder dentro do Congresso e nos estados. O Partido Republicano tem uma maioria mínima no Senado, que mudaria de mãos se os democratas tirarem duas vagas dos rivais e confirmarem todos os seus atuais assentos.

Lembra-se que as eleições serão para governador (de 36 estados), câmaras locais e para o Congresso (este último dividido por duas Casas: o Senado, com 100 parlamentares, e a Câmara dos Representantes, com 453 deputados).

Nas últimas semanas, Donald Trump tem viajado para as áreas mais disputadas de campanha, na tentativa de estimular votos para os republicanos. O que chamou a atenção foi o seu mais novo argumento de campanha, apresentado na quinta-feira (20), em Las Vegas, Nevada, voltado para a ala mais à esquerda do Partido Democrata – que tem chamado a atenção nos últimos meses com a lideranças de várias jovens mulheres não-brancas e socialistas ou anti-estabilishment. Segundo o El País, Trump chamou os democratas de “socialistas radicais” e “fanáticos” e disse que “sua política é louca e perigosa”. “Não deixarei que os Estados Unidos virem a próxima a Venezuela”, declarou. 

Com "socialistas radicais", Trump estava se referino a uma ala crescente dentro do Partido Democrata, mais progressista e declaradamente socialista (como é o caso de Bernie Sanders, que perdeu na disputa de quem iria concorrer as eleições presidenciais para a Hillary Clinton, e Alexandria Ocasio-Cortez, latina e socialista que ganhou a eleição primária do partido Democrata para o 14º distrito de Nova York). Eleitores estão rejeitando a ala da Hillary Clinton e de Barack Obama, que domina há décadas e representa o establishment norte-americano em sua totalidade – inércia diante da necessidade de desafiar doadores corporativos, apoio às guerras e corte de gastos públicos – os mesmos democratas que perderam contra o republicano Donald Trump. Essa nova onda à esquerda dentro do próprio Partido Democrata vem para desmistificar o socialismo como algo ruim dentro dos Estados Unidos.

Outro fator para o avanço dessa ala, dessa vez externo, é o fracasso da administração Trump e os frequentes escândalos que a envolvem. Trump tem isolado cada vez mais os Estados Unidos do cenário internacional – tenta-se desesperadamente recuperar a influência perdida com manobras agressivas, como as ações protecionistas que estão desencadeando uma guerra comercial, as constantes ameaças à Coreia do Norte, Venezuela, Irã e Rússia e o isolamento dos palestinos no confronto contra Israel. A saída do Acordo de Paris e da Unesco também esfriou as relações com a Europa. 

Isso sem contar as polêmicas envolendo o governo Trump, como a recente indicação por parte do presidente de Brett Kavanaugh à suprema corte, acusado de abuso sexual por duas mulheres, ou o embate de Trump contra a mídia norte-americana que censurou páginas da alt-right (extrema-direita norte-americana. Em abril, a política de "tolerância zero" do presidente contra os imigrantes ilegais, que culminou na separação de crianças dos seus pais na fronteira com os EUA, chocou o mundo; diversos países, organizações pela proteção dos Direitos Humanos e grandes personalidades não pouparam críticas ao governo estadunidense.

Diante desse cenário, a comparação com a Venezuela serve para intimidar os eleitores que poderiam trocar seu voto republicano por um voto democrata – diga-se de passagem, a mídia norte-americana não propõe grandes reflexões e aprofundamentos sobre o país vizinho, ameaçado de invasão militar pelos EUA recentemente. O temos de "virar uma Venezuela", aliás, tem sido usado também no Brasil. Candidatos como Alckmin e Bolsonaro, além de veículos pouco confiáveis, espalham no eleitorado pouco informado um medo que carece de embasamento ou explicações concretas. 

Outro ponto que mrece atenção: Nevada é um Estado onde a imigração é a verdadeira base da economia. Em seu discurso, Trump disse que que os democratas “querem dar serviços sociais e saúde aos estrangeiros ilegais, pagos pelos americanos”. “Os democratas vão quebrar a rede de segurança social dos americanos pela imigração descontrolada”, acrescentou, hasteando a mesma bandeira usada pela extrema-direita xenófoba europeia para conquistar seu eleitorado: a repulsa à entrada dos imigrantes, supostamente culpados pelos males que recaem sobre a classe média e os trabalhadores. Males esses que, longe de serem provocados por mexicanos, sírios ou africanos, são fruto de uma inadaptação a rápida globalização, de fortes políticas neoliberais e de erros cometidos por governos anteriores. 

Levando em conta apenas o fato de que dificilmente um país se desenvolverá igual a outro, pois cada um possui tragetórias histórico-econômicas e especificidades sociais diferentes, poderia-se dizer que não tem como os EUA "virarem" a Venezuela. Mesmo que a maior potência capitalista do mundo decidisse seguir o rumo do socialismo, não seria um socialismo venezuelano, até porque este não foi atingido: a Vanaezuela não se considera um país socialista, mas sim um país que após a Revolução Bolivariana estaria em "transição", rumo ao socialismo.

Sobre a possibilidade dos EUA se tornarem socialistas, o sociólogo, filósofo, linguísta e ativista Noam Chomsky deu seu parecer em uma coletiva de imprensa no Barão de Itararé, em São Paulo. "A resposta depende do que você considera por governo socialista. Para que o termo 'socialista' é usado hoje?" questinou. Para ele, hoje o termo socialista é usado para designar uma democracia socialista moderada, e usa Bernie Sanders como figura dessa corrente, político cujas ideias são "muito saudáveis" para os EUA.

Mas Chomsky lembra que durante as últimas décadas neoliberais, o espectro político se deslocou para uma direita extrema. Dessa forma, o que antes era considerado conservador, hoje é considerado socialista. "Um verdadeiro governo socialista é outra coisa, e não está no horizonte no momento. Não que eu ache que está fora que questão. Elementos que poderiam constituir uma sociedade mais livre e socialista estão sendo construídos dentro do país", concluiu.