Editorial: Memorial Frei Tito de Alencar

Em editorial publicado nesta quarta-feira (19), o jornal O Povo destaca a importância de preservar a história de Frei Tito de Alencar, cearense vítima da Ditadura Militar. No texto, o jornal afirma que a decisão de desapropriar o imóvel onde o frade morava em Fortaleza para a criação de um memorial tem grande importância.

Frei Tito - Reprodução

“Sua dimensão simbólica ultrapassa os limites regionais e nacionais, alcançando o exterior, pois a história do personagem vai além-fronteiras e está ligada umbilicalmente a valores universais como democracia, liberdade, direitos humanos, solidariedade, justiça e valores espirituais”, ratifica a publicação.

Leia a seguir a íntegra do editorial:

Os fortalezenses acabam de tomar conhecimento de que a antiga residência de Frei Tito de Alencar (morto no período ditatorial, depois de exilado para escapar da perseguição da ditadura de 1964), será transformada em memorial, após ser adquirida pela municipalidade de Fortaleza. O decreto que define a edificação como bem público, foi assinado no dia em que o religioso completaria 73 anos de idade, se vivo fosse, no último dia 14.

Ainda em 2011, quando houve ameaça de o prédio ser vendido – e provavelmente demolido – para fins comerciais, O POVO, neste mesmo espaço, manifestava apoio ao movimento expressado por familiares, amigos e admiradores no sentido de alertar para o risco de mais um "apagão" lamentável na memória de Fortaleza, como tantas vezes aconteceu na história da cidade: basta lembrar as demolições injustificáveis das residências de Alberto Nepomuceno, Rodolfo Teófilo e de tantas outras personalidades referenciais da história e da cultura cearenses.

Nos últimos sete anos, a luta da sociedade civil pela preservação da casa de Frei Tito enfrentou muitas dificuldades, até obter o gesto clarividente da Prefeitura de Fortaleza. A edificação, em si, não tem valor arquitetônico, mas, sua dimensão simbólica ultrapassa os limites regionais e nacionais, alcançando o exterior, pois a história do personagem vai além-fronteiras e está ligada umbilicalmente a valores universais como democracia, liberdade, direitos humanos, solidariedade, justiça e valores espirituais. Foi uma vítima do obscurantismo que se apossou do País após o golpe de Estado de 1964, uma época de repressão, prisões, torturas, exílios, "desaparecimentos" e assassinatos políticos.

Frei Tito de Alencar foi um dos integrantes da chamada "geração de 68" que foi protagonista de uma das fases mais vibrantes das transformações e lutas políticas, sociais e culturais que sacudiram a face do planeta no século XX. No Brasil, foi a época de resistir a uma longa noite de eclipse das liberdades democráticas, de retrocesso político, social e cultural e da imposição da censura e do medo.

Preso e barbaramente torturado, foi obrigado a exilar-se na Europa, mas sua mente já tinha sido danificada, irreparavelmente, a ponto de viver uma tortura continuada, nas alucinações em que via seu torturador – o delegado Sérgio Paranhos Fleury – não lhe dar um só momento de trégua. Até que pôs fim à própria vida para se livrar de tal aflição. A preservação de sua memória é o melhor antídoto contra a intolerância, a violência, a barbárie e o obscurantismo que voltam a rondar o Brasil, neste momento de tantas incertezas.