Lu Castro:  WSL, a isonomia e a lição para o futebol

Até a quarta-feira, 5 de setembro, havia definido o tema a ser abordado neste espaço e acreditava que nada me demoveria da ideia de tentar contribuir para a manutenção do debate acerca da importância da preservação da memória esportiva. Só que tudo mudou após uma publicação no perfil da World Surf League na tarde daquele dia 5.

Por Lu Castro*

Brisa Hennessy - Foto: Troy Williams

Mas, Lu Castro, você não vai mais dar atenção ao futebol? Claro que futebol continua sendo a espinha dorsal do meu trabalho, mas, vivendo em uma cidade como Ubatuba, se torna impossível não ajustar o foco para o surf.

Assim sendo, desde que aportei neste pedaço de paraíso recheado de praias surfáveis, tenho acompanhado, sempre que possível, as competições, as notícias e, claro, as minas deste esporte.

Já tinha observado as ações da WSL com relação à visibilidade das mulheres em seu site e ao tratamento das notícias que envolvem as competições femininas. Digno de nota, sublinhe-se! Entretanto, o ápice da minha alegria se deu quando a WSL anunciou premiações iguais para homens e mulheres em todas as competições organizadas diretamente por ela. E, olha, não são poucas.

~ Aqui, cabe uma cutucada, só pra variar: muito diferente da CBF, que melhora uma competição e finaliza outra. ~

Reproduzo o texto publicado na página da WSL South America com todas as informações a respeito desta decisão. O texto é de João Carvalho.

“A World Surf League divulgou uma grande novidade nessa semana, a de que a partir de 2019 todos os eventos organizados diretamente pela WSL terão premiações iguais para os atletas das categorias masculina e feminina. Será a primeira e única liga esportiva global, com sede nos Estados Unidos, a promover a igualdade da premiação em dinheiro para homens e mulheres. A WSL está orgulhosa do seu compromisso com a igualdade de gêneros e por se unir a outras organizações além do mundo do esporte, com este importante marco histórico.

‘Este é um passo à frente enorme em nossa estratégia há muito tempo planejada, de elevar o nível do surfe feminino, então estamos entusiasmados em assumir esse compromisso já a partir da temporada 2019’, disse a CEO da WSL, Sophie Goldschmidt. ‘Esta é a mais recente de uma série de ações que a Liga se comprometeu trabalhar para nossas atletas do sexo feminino, desde competir na mesma qualidade de ondas que os homens, até melhores locações e mais apoio e investimento no surfe feminino’.

‘Esta mudança era simplesmente a coisa certa a fazer pela WSL e gostaríamos de agradecer aos muitos defensores que trabalharam durante décadas para ajudar a promover o surfe feminino’, continua Sophie Goldschmidt. ‘Queremos estar na vanguarda de pressionar pela igualdade em todas as esferas da vida, começando pelas ondas. Nos sentimos muito sortudos de termos mulheres em nosso circuito que são modelos talentosos e icônicos, então mais do que merecem esse reconhecimento de igualdade aos nossos extraordinários atletas masculinos’.

A hexacampeã mundial Stephanie Gilmore festejou a novidade: ‘Isso é incrível e estou muito feliz. O prêmio em dinheiro é fantástico, mas a mensagem significa muito mais. A partir do momento em que a atual diretoria da WSL assumiu, a situação das surfistas mulheres se transformou para melhor em todos os sentidos. Espero que isso sirva de modelo para outros esportes, organizações globais e para a sociedade como um todo. Todas nós atletas estamos honradas com a confiança em nós e inspiradas para recompensar essa decisão com níveis cada mais altos de surfe’.

O onze vezes campeão mundial Kelly Salter também comentou sobre a decisão inédita da WSL: ‘As mulheres que correm o circuito merecem essa mudança. Tenho muito orgulho de que o surfe esteja optando por liderar a igualdade e justiça no esporte. As atletas do surfe feminino da WSL estão igualmente comprometidas com seu ofício como os do masculino, então devem receber o mesmo pagamento nas premiações. O surfe sempre foi um esporte pioneiro e esse é mais um exemplo disso’.

Kelly Slater. Foto: Rtwkeaton/Wikipédia.

O comissário da WSL, Kieren Perrow, destacou: ‘Hoje é um momento histórico para o nosso esporte, surfe. Além do nosso calendário de 2019 com novas datas, estamos orgulhosos de confirmar que a igualdade de prêmios já estará em vigor na próxima temporada. Isso abrange todos os eventos controlados pela WSL, o Championship Tour, Longboard Tour, World Junior Championships e o Big Wave Tour de 1.o de outubro a março de 2019. Estaremos trabalhando com nossos parceiros organizadores de campeonatos que nós não controlamos a premiação, como os eventos do Qualifying Series, para alcançar a igualdade total o quanto antes’.

A World Surf League vai se firmando como uma das ligas esportivas de crescimento mais rápido no mundo, expandindo continuamente seu alcance e base de fãs. O conteúdo da WSL e as transmissões ao vivo agora estão disponíveis digitalmente em várias plataformas e com mais de 100 emissoras cobrindo seus eventos, inclusive o evento inovador desta semana na onda criada pelo homem no Surf Ranch. O surfe também foi adicionado oficialmente à lista dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, introduzindo o esporte para novos públicos.

Para apoiar ainda mais seu compromisso com o surfe feminino, hoje a WSL também anuncia três iniciativas que serão lançadas em 2019:

– uma campanha de marketing global para destacar o circuito feminino, além de aumentar a visualização dos eventos e o envolvimento dos fãs;
– Um programa local de envolvimento da comunidade para meninas em todo o mundo, com clínicas instrucionais com atletas da WSL em cada etapa feminina do Championship Tour para inspirar novas gerações a abraçar o surfe;
– Uma série de conteúdos mensais sobre as mulheres pioneiras do surfe, celebrando-as nos canais da WSL, começando na próxima semana com a heptacampeã mundial Layne Beachley.
Acesse o calendário 2019 da WSL.

Apêndice

A World Surf League continua apresentando os melhores do mundo nas melhores ondas do mundo, criando eventos inclusivos, emocionantes e de alta qualidade, desfrutados por milhares de fãs em todo o mundo. Um foco importante nos últimos anos tem sido aumentar o investimento no surfe feminino:

– Eventos combinados com homens e mulheres competindo juntos aumentaram de quatro para nove;
– A premiação em dinheiro nas etapas femininas aumentou 153%;
– 64 eventos globais para mulheres estão programados para 2019;
– A inclusão de dois eventos históricos do Big Wave Tour em Pe´ahi e Mavericks;
– Nomeação do primeiro CEO feminino na WSL em 2017;
– Na estreia da Founders´ Cup, competição especial por países no Surf Ranch, várias equipes com capitães do sexo feminino.

Cronograma de investimento da WSL para o surfe feminino até o momento:

– em 2013 eram oito eventos do Championship Tour feminino e a WSL agora investe em dez, incluindo locais de classe mundial como Jeffreys Bay, Fiji e agora Bali, Trestles e agora Surf Ranch e Maui;
– Desde 2013, o prêmio em dinheiro por evento no CT feminino aumentou em 153%;
– em 2014, foi estabelecida pela WSL a paridade dos prêmios para o Championship Tour masculino e feminino, com todos os competidores, homens e mulheres, ganhando o mesmo prêmio médio em dinheiro por surfista;
– em 2016, as mulheres passaram a competir no Big Wave Tour em Pe´ahi pela primeira vez;
– em 2017, a WSL nomeou a sua primeira CEO, Sophie Goldschmidt;
– em 2018, a WSL promoveu a Founders´ Cup, competição de equipes representando regiões;
– em 2018, dois eventos do Big Wave Tour para mulheres, em Pe´ahi e Mavericks;
– em 2019, igualdade de prêmios em dinheiro nas etapas do Champioship Tour, Longboard Tour, World Junior Championships e Big Wave Tour a partir de 1.o de outubro de 2018 até março de 2019;
– Futuro: trabalhar pela instituição de igualdade da premiação com os parceiros organizadores dos eventos do Qualifying Series (QS) e Pro Junior que não são controlados pela WSL.”

Leia a matéria completa aqui.

Mas, Lu Castro, não dá pra fazer comparação entre o futebol e o surf, né? Os clubes femininos não têm condições de pagar às suas atletas o mesmo que um clube paga aos seus jogadores por uma considerável série de fatores.

Ok. São universos distintos com dinâmicas muito peculiares, mas cabe uma observação bastante pertinente: o dinheiro envolvido no futebol masculino é, por baixo, uma fábula. Isto posto, cabe também uma reflexão: não seria razoável equalizar num nível em que todos pudessem se beneficiar sem aprofundar o abismo nas relações de gênero no esporte?

Se a WSL conseguiu, por qual motivo outras entidades não conseguiriam?

A pergunta é retórica. A resposta, que não é de natureza sintética, todo mundo conhece. Só quem não está interessado em seguir o exemplo da isonomia entre os gêneros (especialmente no futebol), são os que permanecem em seus postos como apêndices políticos.