População de São Paulo sofre com queda de gastos em segurança pública

Treinamento dos policiais no estado de São Paulo sofre com desumanização por falta de investimentos, fazendo com que a polícia falte com seu dever de proteger os cidadãos.

Por Gabriela Pereira Fabiano*

PM SP ataca USP - Foto: Jornalistas Livres

Foi realizada em 2014 pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas (CPJA), da escola de Direito da FGV de São Paulo e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pesquisa “Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública” . Nessa pesquisa, dados revelam que 81,4% dos policiais entrevistados afirmam que ser muito grave a falta de uma política pública de segurança que seja de fato efetiva. Esse fator traz uma série de consequências, dentre elas, a desumanização do treinamento dos militares, acarretando então na falta de cumprimento dos policiais da sua função societária e abusando da sua liberdade de poder. 

De acordo com a Agência do Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo (Sincresp), o até então governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, reduziu os gastos em segurança pública em até 7% – um total de R$ 779 milhões, dinheiro que poderia ser investidos na polícia militar, civil e técnica do Estado. Isso significa que algumas carreiras de policiais civis e da polícia técnico científica de São Paulo chegam a ter um dos salários mais baixos de todo o país.

Essas diminuições de investimento em segurança pública acarreta consequência em áreas diferentes. Os salários são atrasados, os equipamentos são sucateados, falta viatura nas ruas e algumas delegacias estão em estado de calamidade. Apesar de esses problemas serem os mais visíveis para a população, pode ser considerada só a ponta do iceberg já que essa falta de capital investido em segurança também causa lacunas nas formações desses profissionais.

Em Depoimento de Fábio Gonçalves (capitão reformado da Polícia Militar) na 96ª Audiência da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo fica claro como a formação de militares é equivocada: “O policial militar, infelizmente, a escola ensina pra ele que o valor mais alto é a hierarquia e a disciplina, a qualquer custo. Ele perde a sua individualidade. Ele não, nós perdemos a nossa individualidade quando a gente entra na escola, escola de formação de soldado, depois em todas elas, inclusive a dos oficiais. Muitas vezes por meio de humilhação: quanto mais baixa é a classe, mais humilhada ela é. E existe uma coisa nas Forças Armadas que chama-se Ordem Unida. A Ordem Unida é um negócio que acaba com a individualidade da pessoa. Nós viramos um autômato: sentido, ordinário, marche, frente, direita, esquerda […] Isso é de manhã, de tarde e de noite, entra em forma, tem Ordem Unida, para quebrar o nosso questionamento. […] O assédio moral que existe é muito grande por parte das minorias, por parte dos oficiais. O oficial assedia […] esse assédio é: “soldado, vai no boteco e me compra um maço de cigarro”. O professor fala isso para um servente de escola? O delegado fala isso para o escrivão? Na polícia fala e ai do soldado se ele não for comprar, fica preso. Isso fomenta, entre as praças e os oficiais, uma luta de classes absurda”.

Os casos de assédio moral dentro do meio policial é algo grave e recorrente. O ex-recruta da PM, Paulo Aparecido dos Santos, 27 anos, morreu em novembro de 2013 após uma sessão de treinamento no Centro de Formação e Aperfeçoamento de Praças (CFAP). Relatos afirmam que no mesmo dia que Paulo morreu os outros soldados que não aguentavam a rigidez do treinamento eram obrigados a sentar no asfalto fervente ou se submeter a choques térmicos em água fria.
Se a formação desses policiais é feita de forma tão equivocada, é algo certeiro que a ação desses agentes quando estiverem nas ruas, cumprindo o seu papel por lei de defender a população civil, também será feita de forma errônea. Se foram ensinados que a hierarquia justifica o uso abusivo da força, de fato colocarão em prática esses ensinamentos com a população, utilizando-se da sua liberdade de usar a força em situações sem necessidade, invertendo então seu papel de proteger, transformando em castigos e medo.

Ao conversar com quatro jovens na faixa de dezessete anos do Montanhão, bairro periférico de São Bernardo do Campo, foi possível perceber o reflexo da desumanização do treinamento policial. Ao serem questionados sobre como a polícia os abordou e qual a primeira reação ao se depararem com a mesma, o jovem L.F* diz “eles entram lá pra pegar e bater sem mais nem menos, sabe, porque o lugar que eu moro não é lá essas coisas. Eles esculacham, entram no beco e falam que os manos estavam traficando, usando droga, sem nem olhar para nossa cara.” A revolta é marcada na voz do rapaz que parece ter presenciado tanta coisa em tão pouco tempo.

Quando perguntado se ele já sentiu que a polícia abusou do uso de poder e força que é concedido a ela, o jovem responde: “Eles já me espancaram. Levaram eu pra um canto e me bateram. Eles estavam procurando os manos da quebrada e queriam que a gente dedurasse e quando falamos que não sabíamos de nada, vieram pra cima” o garoto ainda completa: “não acho que a polícia cumpra com o dever dela de proteger a sociedade. Em vez de me sentir seguro quando eles chegam na minha comunidade, eu saio de perto porque tenho certeza que vou apanhar” .

Desde 2011 até julho de 2017 um total de 4.836 policiais (militares e civis) foram presos, demitidos ou expulsos. Isso significa que em 6 anos, a cada dois dias um policial sofreu algum tipo de punição. São inúmeros os dados que deixam explícito a falha na Polícia Militar de São Paulo.

Como pode ser a cidade em que a polícia mais mata e, ao mesmo tempo, a polícia mais morre? O responsável técnico do programa com as forças policiais e de segurança do Comite Internacional da Cruz Vermelha (CICV) Paulo Roberto Batista de Oliveira, diz que a resposta para todos esses problemas está na falta da implementação dos devidos protocolos técnicos na época de formação com esses policiais. Se houvesse o investimento devido e necessário na segurança pública do Estado e esse dinheiro fosse gasto para desenvolver um tipo de formação voltada para o estudo dos protocolos, leis e análise dos direitos humanos, nada desse terror seria perpetuado e a polícia poderia de fato exercer seu papel social, com uma formação humana e digna.