Ricardo Maranhão, desbravador da história (1945-2018)

O pensamento crítico e avançado perdeu, nesta sexta-feira (7), em São Paulo, uma de suas mentes mais inquietas e versáteis.

Por José Carlos Ruy*

Ricardo Maranhão, historiador com trabalhos sobre luta sindical e estudos sobre a cozinha brasileira - Reprodução

Um câncer levou, aos 72 anos de idade, o historiador Ricardo Maranhão (nascido em 15 de dezembro de 1945).

Maranhão tinha uma mente inquieta e ousada. Atuou como jornalista no Amanhã, o jornal dos estudantes de São Paulo voltado para o público mais amplo, em 1967. Foi uma avant-première da imprensa alternativa, de Opinião, Movimento e Em Tempo, na década de 1970 – experiência jornalística que Maranhão levou, com brilho, para os livros que escreveu (foram 23) e os projetos em que se envolveu. Desde s série Brasil História, que coordenou, em 1976, com Antonio Mendes Jr.. A série abrange, em quatro volumes, desde a Colônia até os dias atuais, e apresenta uma visão da história com base no materialismo histórico, voltada para professores, estudantes e o público em geral. De certa forma, foi uma retomada, uma década depois, do espírito da História Nova, escrita sob inspiração do materialismo histórico em 1963 sob direção do historiador Nelson Werneck Sodré, e destruída pela repressão nos primeiros meses após o golpe militar de 1964, com a queima de livros e a prisão de seus autores.

Outro livro marcante de Ricardo Maranhão é Sindicatos e democratização, publicado em 1979, cujo tema é a redemocratização de 1945/1946, com destaque para a atuação dos comunistas.
Foi preso e torturado na ditadura (sua prisão ocorreu em circunstâncias perversas – foi denunciado e detido por policiais do DOPS dentro do Departamento de História da USP, onde lecionava, tendo sido denunciado por um professor de direita), Maranhão evitava falar no assunto. Preferia falar de sua atividade. De como, desde meados da década de 1970, foi redator da enciclopédia Nosso Século, publicada pela editora Abril Cultural e que contribuiu para popularizar o conhecimento da história do Brasil.

Anos mais tarde, no final da década de 1990, ele participou como historiador de um inovador projeto de recuperação e restauração da música erudita brasileira do século XVIII, do qual resultou uma série de dez CDs publicados em 1998-1999.

Em seguida, inovou ainda mais e criou, na Faculdade Anhembi-Morumbi, o curso de história da alimentação no Brasil, que deu origem ao Centro de Pesquisas em Gastronomia da Anhembi Morumbi, coordenado por ele; lecionava também história da gastronomia na FAM (Faculdade das Américas), em São Paulo.

Essa atividade toda resultou em livros também inovadores sobre a gastronomia que, segundo especialistas, o ombreiam com Câmara Cascudo ou Gilberto Freyre.

Escreveu livros sobre a culinária brasileira, como Gente do Mar (prêmio Jabuti em 2015), O Frango – História e Gastronomia ou Árabes no Brasil – História e Sabor. Recentemente estava envolvido numa grande pesquisa sobre a cozinha paraense, que, com indícios arqueológicos de pratos à base de peixe e mandioca de mais de 6 mil anos, considerava como a mais antiga do Brasil.

Este foi Ricardo Maranhão – um historiador ousado, desbravador, e um comilão assim reconhecido por si mesmo. Seu riso fácil, seu vozeirão alegre e altaneiro, sua generosidade, deixam saudade nos amigos e uma lacuna imensa na arte de contar a história do Brasil, em todos os seus aspectos.

*José Carlos Ruy é escritor, jornalistae articulista do Portal Vermelho