Brasil: da política externa altiva e ativa para a diplomacia submissa

Parece impossível que em apenas dois anos o Brasil tenha perdido completamente seu protagonismo na América Latina e no Caribe. Mas foi exatamente isso que aconteceu após o golpe de 2016. Se até então o país era um ator importante na região, reconhecido por impulsionar a integração, hoje a realidade é outra e a política externa altiva e ativa – dos governos Lula e Dilma – se transformou em diplomacia de pés descalços na gestão golpista de Michel Temer.

Por Mariana Serafini

Aloysio Nunes e Mike Pence - Marcelo Camargo / Agência Brasil

Segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Igor Fuser, o Brasil “trocou sua política externa soberana por um alinhamento incondicional aos Estados Unidos”, isso fez com que o país perdesse seu protagonismo na região. “O Brasil agora atua no sistema internacional numa posição completamente subalterna aos EUA, deixou de buscar um mundo mais múltiplo para se tornar um apêndice dos interesses dos EUA”.

Tomaz Paoliello, professor do curso de RI da PUC-SP,também afirma que o país retrocedeu no campo da diplomacia após o golpe. “A política externa brasileira se enfraqueceu muito nesses dois anos. Ela foi principalmente reativa, o Brasil se posiciona apenas em casos que exigem alguma resposta. A posição de mediação regional exercida pelo Brasil parece hoje ser ocupada apenas pelo Uruguai”.

Se no período do chamado ciclo progressista os países latino-americanos somaram esforços para impulsionar a integração regional, com a chegada de governos de direita principalmente no Brasil e na Argentina – duas grandes economias – o cenário mudou radicalmente. O caso mais emblemático é o desmonte da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que após o golpe contra a presidenta Dilma entrou numa profunda crise política. Desde a saída do então secretário-geral, Ernesto Samper, o organismo não elegeu ninguém para ocupar o cargo e perdeu o poder de influência entre os membros. “Mesmo em decisões importantes como a suspensão das atividades na Unasul, o Brasil esteve a reboque de posições mais fortes de Argentina e Colômbia, por exemplo”, aponta Paoliello.

Para Fuser, ao deixar de apoiar a integração regional, o Brasil facilita a ingerência norte-americana na região e perde qualquer possibilidade de liderança local. “Com o golpe, o país abandonou completamente os esforços de consolidação da Unasul, o resultado é que hoje ela se encontra em estado terminal, completamente desativada e o Brasil prefere dar espaldo à velha e decadente OEA (Organização dos Estados Americanos), que nada mais é que o grande instrumento dos EUA de controle e influência na América Latina”.

Paliello destaca que o grupo político detentor do poder hoje sempre atacou os moldes de integração propostos pela Unasul e trata-se de uma posição “bastante ideológica”. Com isso, o país perde uma importante esfera de diálogo regional que afeta “áreas relevantes como infraestrutura e saúde”. Ele acredita que o cenário pode piorar ainda mais, a depender de qual será o governo em 2019. “O desmonte pode seguir avançando em direção ao Mercosul, algo que já vem sendo cogitado por diversos do porta-vozes dessa ideia de política externa. Esse movimento é mais delicado pois mexe com importantes interesses econômicos de setores empresariais exportadores no Brasil, mas que conta também com o apoio de amplos setores, incluindo o agronegócio”.

Com a Unasul sem relevância política, o enfraquecimento da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e um possível desmonte do Mercosul, todo o processo de integração construído nos últimos 20 anos vai por água abaixo e os Estados Unidos voltam a ter influência completa sobre os países da América Latina e Caribe. Não à toa, se fortaleceu nos últimos meses as negociações bilaterais para a implantação de bases militares de Washington na região: em dois pontos na Argentina, no Brasil, além da cooperação da Colômbia que pode ceder seu território para estrutura militar norte-americana sob o argumento de prestar “ajuda humanitária” na Venezuela. “Estamos na iminência de ter uma base militar dos EUA permanente em território brasileiro pela primeira vez na nossa história, devido às negociações para a entrega de Alcântara no Maranhão”, denuncia Fuser.

Todo esse desmonte passa pelo enfraquecimento da política externa nacional, uma vez que o país com a maior economia e maior extensão territorial deixou de agir de forma a fomentar o desenvolvimento. “A integração regional dependeu tanto do financiamento quanto da vontade política do Brasil, mas a política externa é tão fraca [neste momento] que não apresenta nem uma posição forte no momento de se opor”, analisa Paoliello.

Fuser, por sua vez, ressalta que, ao abrir mão do processo de integração, o governo de Temer viola a Constituição “que estabelece integração latino-americana como um interesse nacional permanente do Brasil”.

Guerra à vista

Um dos princípios da diplomacia brasileira, historicamente, é a não intervenção em assuntos internos de outros países. Porém, com a chegada de dois ministros das Relações Exteriores – primeiro José Serra, seguido de Aloysio Nunes – sem tradição diplomática isso também mudou. Nos últimos dois anos o país tem adotado uma posição hostil em relação ao governo da Venezuela e se aliou aos setores de oposição para tentar desestabilizar o presidente Nicolás Maduro. A crise pode se agravar, uma vez que a Colômbia está a postos para intervir, com forças militares ou paramilitares, no território venezuelano. A possível invasão poderia culminar em uma guerra entre os dois países, com impactos negativos para o Brasil e todo o continente.

“Com essa atitude o Brasil só contribui para agravar a crise interna da Venezuela que se reflete na imigração de venezuelanos diante da situação causada pelo bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos e pela sabotagem praticada pelas elites internas venezuelanas”, afirma Fuser.

Para o professor, se o Brasil continuar a agir desta forma, pode fomentar um conflito armado entre a Colômbia e a Venezuela. A última guerra na América do Sul foi a Guerra do Chaco, entre Paraguai e Bolívia (1932 – 1935). “No lugar de ser uma força em favor da paz, que é nosso papel histórico, o Brasil passou a ser um dos fatores que fomentam a guerra. Esta atitude do governo golpista favorece os interesses nacionais? Evidentemente que não, mas temos instalado em Brasília um governo que age de forma criminosa para servir aos interesses imperialistas. Isso vai trazer efeitos nefastos de terríveis proporções o próprio Brasil”, denuncia o especialista.