Tereza Campello denuncia desmonte de Temer no Bolsa Família

O Governo Temer enviou na última sexta-feira (31), proposta de orçamento para o exercício de 2019 com um corte de 50% no Programa Bolsa Família. Isso significa que 22 milhões de pessoas serão excluídas do benefício e R$ 26,25 bilhões que deixarão de ser injetados na economia, aponta a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

Tereza Campello - Ubirajara Machado/MDS

O governo Temer preparou um pacote para reduzir em 50% o número de beneficiados do Bolsa Família para o próximo ano. O alerta está sendo feito pela ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, que foi uma das responsáveis diretas pelo modelo do programa reconhecido internacionalmente e que reuniu uma série de programas sociais de transferência de renda, aumentando a eficácia da política de redistribuição.

"A situação é de uma gravidade gigantesca porque o Bolsa Família, nos atuais patamares, já seria insuficiente para dar conta da calamidade que o Brasil vive", declarou em entrevista.

Na atual conjuntura, com o nível de desemprego alcançando mais de 13 milhões de trabalhadores, conforme dados da Pnad/IBGE, e com o Brasil de volta ao Mapa da Fome (ONU), a lógica seria reforçar programas sociais como o Bolsa Família. Mas, estranhamente, o raciocínio do governo Temer é outro.

"É muito rápido, você passa 13 anos para conseguir tirar o Brasil do Mapa da Fome. Com três meses uma criança entra em situação de desnutrição e, rapidamente, perdemos uma geração. Do ponto de vista, de médio a longo prazo, o Brasil está jogando seu potencial na lata do lixo", preocupa-se Campello.

Segundo a economista, para manter o programa com o tamanho de 2018, hoje com 13 milhões e 300 mil famílias, a gestão do emedebista deveria repetir o orçamento anual de 30 bilhões de reais. Mas, a previsão montada para o próximo ano será de 15 bilhões.

"Não é um corte marginal, não é um ajuste. É 50% de corte no Bolsa Família às vésperas da eleição. Eles perderam completamente o pudor, inclusive podendo gerar uma situação de pânico nas famílias", pontua.

Do ponto de vista conceitual, o grupo que hoje ocupa o Executivo, sempre defendeu o corte. O Bolsa Família mantém hoje o atendimento de cerca de 20% das famílias brasileiras. Após o golpe que afastou a presidente Dilma do poder, o partido de Temer lançou o programa Uma ponte para o futuro, indicando uma redução que chegaria em 5% das famílias brasileiras em situação de risco. Logo, o corte definido para o próximo ano, caminha para este objetivo, pois reduz o atendimento para 10%, completa Campello.

Efeito multiplicador para a economia minguado

Um cálculo feito pela economista, considerando os dados de pagamento do Bolsa Família disponibilizados no Portal da Transparência, por município, com o corte, 22 milhões de brasileiros serão excluídos do programa. A região mais prejudicada será a Nordeste, onde 3,5 milhões de famílias, ou 11 milhões de pessoas, serão afastadas do benefício.

O dinheiro do programa é um recurso injetado diretamente na economia regional, portanto, serão bilhões a menos aplicados no Nordeste. Mesmo estados mais ricos serão prejudicados, como São Paulo, atualmente com 1,5 milhão de famílias beneficiadas pelo programa.

"A maioria das pessoas que têm uma preocupação com a agenda social defendem [o Bolsa Família] por uma questão de justiça, por uma questão de direito. Agora, se a gente for entrar no debate do plano econômico, isso também é burro", disse Campello, completando que a cada R$ 1 gasto no Bolsa Família, R$ 1,78 retorna, como multiplicador do PIB.

"Se eu corto R$ 15 bilhões do Bolsa Família, eu deixo de receber esse valor mais 75% dele no próximo ano, porque o pobre usa esse dinheiro imediatamente comprando comida, calçado, roupa, material escolar, ou seja, com coisas que o Brasil produz. Então o multiplicador do PIB, para recursos como o Bolsa Família, é muito alto".

Pelo valor atual – R$ 30 bilhões – o efeito multiplicador do Bolsa Família equivale a R$ 52,5 bilhões. A partir do orçamento do próximo ano, o efeito multiplicador no PIB será de R$ 26,25 bilhões, uma redução de R$ 26,25 bilhões.

Por isso, é comum ver grupos de economistas defendendo um padrão mínimo de renda para conseguir melhoras dos níveis econômicos. "Inclusive, para que, em um momento de crise [econômica], o país mantenha o básico da economia funcionando", reforça Campello.

Do mesmo modo, o corte não é inteligente do ponto de vista fiscal, porque reduz a margem de dinheiro que retornaria em forma de arrecadação de produtos e serviços disponibilizados pelas empresas nacionais.

Fiscalização

Sobre os discursos de ampla fiscalização alardeados pelo atual governo, a ex-ministra destaca que não existe nenhum método novo sendo feito.

"Desde 2007, portanto antes da minha gestão, o Bolsa Família passa por verificações regulares. Sempre fizemos cruzamentos junto com o Tribunal de Contas, CGU [Controladoria-Geral da União], cruzamentos de bancos de dados, para verificar situações de inconsistência", explica.

Portanto, para a ex-ministra, o corte de 50% não está ligado ao resultado de fiscalização, que já vinha sendo realizada nos últimos anos. "Esse corte apenas se sustenta como uma decisão política que é: o orçamento não é mais para a população pobre".

Brasil como referência

Muitos países desenvolveram políticas de enfrentamento à pobreza inspirados no Bolsa Família, que já recebeu prêmios internacionais, o mais recente, da Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA), I Award for Outstanding Achievement in Social Security, reconhecendo o sucesso do programa no combate à pobreza e na promoção dos direitos sociais da população mais vulnerável do Brasil.

Campello aponta que outro programa brasileiro nessa seara, o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos, também foi replicado em vários países. Se trata de uma proposta que usa o poder de compra do Estado.

"Com isso você gera uma dinâmica: compra dos mais pobres, e dá para quem é mais pobre alimento saudável. Esse projeto foi replicado em toda a América Latina", relembra, concluindo que a destruição do Bolsa Família e de programas semelhantes, causa preocupação internacionalmente, porque o Brasil ainda é visto como uma liderança regional, seja para o bem, seja para o mal.