Candidatos à direita defendem ajuste que sufoca a cultura

“O sucateamento da cultura, da educação e da pesquisa não vai ser revertido sem a revogação do teto de gastos”. A avaliação é de Ana Luíza Matos de Oliveira, economista e professora visitante da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). Para ela, o incêndio no Museu Nacional tem tudo a ver com a política de austeridade fiscal. Ela destaca que, apesar dos resultados negativos, candidatos ao Planalto ainda insistem no caminho do ajuste fiscal.

Por Joana Rozowykwiat

incêndio Museu Nacional

“Estamos vendo o impacto direto, na qualidade de vida das pessoas, dessas políticas de austeridade fiscal, que retiram recursos de áreas estratégicas. E, infelizmente, vimos esse incêndio, que é também causado por isso. Essa política não está dando certo e tem candidato que está propondo a continuidade”, disse Ana Luíza.

A referência é a postulantes situados à direita do espectro político, como Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro, João Amoêdo, Marina Silva, Henrique Meirelles e Álvaro Dias, que defendem o ajuste fiscal.

Tragédia anunciada

O incêndio que destruiu 90% do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o mais antigo do país, chamou a atenção para a difícil situação das instituições culturais, de educação e pesquisa no país. Nos últimos anos, os cortes no orçamento têm sido drásticos, comprometendo manutenção e funcionamento. 

De acordo com levantamento da Comissão Mista de Orçamento da Câmara dos Deputados, nos últimos cinco anos, os repasses da União ao Museu Nacional – que é subordinado à UFRJ – caíram 34%. Se, em 2013, o museu executou pagamentos da ordem de R$ 979 mil, no ano passado esse valor recuou para R$ 643 mil. Em 2018, os repasses não chegam a R$ 100 mil.

O reitor da UFRJ, Roberto Leher, criticou a falta de recursos para a manutenção do patrimônio público. "Todos sabíamos que o prédio estava em condições vulneráveis. Eram necessárias intervenções sistêmicas”, disse.

“O Brasil precisa avaliar para onde estamos caminhando. Não existe nenhuma linha de financiamento dos ministérios da Educação e Cultura para prédios históricos tombados pelo patrimônio histórico. Sofremos queda brutal de orçamento, de R$ 140 milhões no custeio nos últimos quatro anos. (…) No orçamento de 2019 a sociedade brasileira vai aferir se vamos ter ações objetivas ou se vamos sofrer até a próxima tragédia", completou.

Cortes sufocam a Cultura

A falta de financiamento escancarada pela tragédia no museu carioca é uma realidade que atinge diversas áreas. Segundo o documento Austeridade e Retrocesso – Impactos da Política Fiscal no Brasil, em 2014, o Ministério da Cultura havia terminado o ano com R$1,02 bilhão liberado em seu orçamento discricionário. Em 2017, o valor foi reduzido para R$553,4 milhões, uma perda real de mais de 45% em apenas três anos.

O documento indica que a aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95 deve achatar ainda mais os recursos da cultura. A EC estabeleceu que os gastos primários do governo só poderão aumentar, no máximo, o equivalente à inflação do ano anterior, uma regra que deverá vigorar por 20 anos. Como alguns gastos obrigatórios do governo terão que continuar crescendo, como é o caso da Previdência, a tendência é a de que as outras áreas sejam ainda mais prejudicadas.

Sem reparação

“Estamos num momento de completo desinvestimento na Cultura. Houve diversos cortes de gastos no Ministério da Cultura, a partir de 2015, e especialistas avaliam que, nos próximos anos, a pasta pode até mesmo se extinguir, se continuar essa velocidade de cortes em seu orçamento”, afirma Ana Luíza Matos de Oliveira.

De acordo com ela, a queda no orçamento resulta no sucateamento de museus, de universidades e da pesquisa científica. “Esse é o quinto incêndio que ocorre na UFRJ nos últimos anos, e isso é fruto de uma falta de investimento na universidade, na educação, na cultura e na pesquisa”, criticou.

Ela ressaltou que o orçamento do celebrado Programa Cultura Viva, que chegou a R$100 milhões, hoje caiu para R$12 milhões de reais, por exemplo.

“O programa está sendo sucateado. Todas as autarquias ligadas ao MinC – o Iphan, a Ancine, etc – estão sofrendo cortes duros desde 2015 e isso tem impacto na política de cultura, na preservação, na conservação dos nossos museus, do nosso patrimônio. E são coisas que a gente não vai poder reconstruir. O incêndio destruiu a Luzia [esqueleto mais antigo já encontrado nas Américas] e fósseis de dinossauros que resistiram 11 mil anos. Isso não tem como reconstruir”, lamentou.

Revogar o teto de gastos

Segundo a economista, o processo de desmonte da cultura só pode ser revertido com a revogação da EC-95. E as eleições que se avizinham terão papel decisivo nesse sentido, já que a iniciativa dependerá muito de quem chegar ao Planalto.

“Há um corte claro, se a gente pegar os programas de governos dos candidatos, entre quem são aqueles que defendem a manutenção da EC-95 e quem fala que é preciso revê-la justamente porque é preciso ampliar os gastos sociais, que são uma demanda da sociedade brasileira”, disse.

Ana Luíza mencionou que Guilherme Boulos, Ciro Gomes, Lula e Fernando Haddad são críticos ao teto de gastos e propõem uma mudança de curso na política fiscal. “Isso não está presente no programa dos outros candidatos. É fundamental revogar a EC-95 para conseguir ampliar recursos nessas áreas”, reiterou.

Austeridade não dá certo

Além dos efeitos sociais negativos – que atingem desde a cultura, até a saúde e a educação –, as políticas de austeridade não têm dado bons resultados para a economia. Anunciado pelo atual governo como remédio para a crise, o ajuste fiscal não tem sido capaz de resgatar o crescimento, gerar emprego e renda.

“O resultado do PIB do segundo trimestre mostrou isso. Há praticamente uma estagnação da economia brasileira no primeiro semestre. E isso é fruto também dessa política, que não é capaz de incentivar o consumo, o investimento, a criação de empregos. Enfim, não consegue colocar a economia para crescer”, encerrou.

Dados anunciados pelo IBGE na última sexta (31) mostram que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre foi de apenas 0,2%. E, embora estatisticamente o desemprego tenha recuado um pouco, aumentou o número de desalentados, ou seja, de pessoas que desistiram de procurar emprego diante da dificuldade de achar uma vaga. Além do mais, a maior parte dos postos que foram criados são de trabalho informal, indicando aumento da precariedade.