Adeus Luzia, um réquiem para o Museu Nacional

Luzia, na noite devastadora de 02 de setembro do ano de 2018 tu viraste cinza. Você, e tanto mais da nossa história, da nossa humanidade.

Por Renata Mielli

Luzia Museu Nacional - Alexandre Juban

Mas veja, Luzia, que ironia, foi a falta de humanidade que te queimou. Foi o desrespeito à nossa cultura, à nossa história, à nossa educação, ciência e tecnologia. Foi o descaso com a nação. Sabe, Luzia, eu sonhava com o dia em que meus filhos poderiam conhecê-la. Queria ver o brilho nos olhos deles ao se depararem com a sua mais antiga ancestral. E, também, conhecer objetos, documentos históricos fundamentais do mundo e do Brasil e tantas outras riquezas que viviam contigo, no Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Nesta noite, vocês se foram. Arderam em chamas diante de milhões de olhos marejados e dilacerados pela sua destruição.

Não faltaram avisos. Pedidos de socorro para tua morada, o Museu Nacional, e para tantas outras residências que abrigam a nossa história. Outras já queimaram antes.

Alguns nos ensinam, Luzia, que tragédias servem de alertas. Mas fomos surdos e cegos, não soubemos ouvir e ver. Tivemos o incêndio que destruiu o Museu da Língua Portuguesa, já tivemos fogo no Instituto Butantan, na Cinemateca, no Memorial da América Latina.

Foram exemplos de como o combustível neoliberal — com o mantra de que o Estado tem que ser mínimo e impor draconianos ajustes fiscais, como a Emenda Constitucional 95 — pode incendiar a nossa cultura, a nossa memória. Esses casos – nada isolados, porque fogo em Museus deveriam ser alertas per se – deviam ter acendido um sinal amarelo, deviam ter provocado a criação de um gabinete de crises, que impusesse uma vistoria em todos os espaços que abrigam nosso patrimônio cultural, deveriam ser motivo para que fossem criadas estruturas para combater o fogo, alarmes, e tudo o que houvesse de mais moderno no mundo para proteger nossa memória, nossos museus.

Que fazer diante dessa perda irremediável? As chamas do Museu Nacional nos colocam diante da terrível constatação de que perdemos a noção do comum, na sua maior simplicidade. Sim, Luzia, há um comum, algo que é de todos, E este comum deveria ser responsabilidade de todos nós, não importa quem somos, de onde viemos e para onde vamos, e muito menos o que pensamos e achamos do mundo. O comum, o nosso comum, perdeu um grande pedaço ontem. Você, Luzia — e tudo o mais que queimou contigo — era o nosso comum.

Estamos todos de luto, passando por aquela tristeza que dá um nó na garganta, que nos revira por dentro e que nos dá vontade de gritar. Mas temos que transformar esse luto, em luta. Não há como reparar o que se foi, nesta noite. Mas ainda é possível impedir que mais da nossa memória se transforme em cinzas.

Adeus Luzia. Vá em paz.