Incêndio é materialização da política de corte, diz presidenta da ANPG

Enquanto a manutenção do Museu Nacional do Rio de Janeiro tinha que fazer ‘vaquinha virtual’ para reabrir salas e tinha um custo de manutenção de apenas R$ 520 mil a ano, um juiz do Supremo recebe ao ano R$ 438 mil. Em meio a tristeza sobre o incêndio, a presidenta da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, esse caso “não é isolado e que faz parte do sucateamento das universidades e do descaso com museus. Temos o abandono da Ciência e da Cultura no país”.

Por Verônica Lugarini

museu nacional incêndio - AP

Neste domingo (02), a primeira instituição científica do país e o maior museu de história natural da América Latina foi tomado pelas chamas do descaso. Com seus recém 200 anos completados, o Museu Nacional do Rio de Janeiro foi destruído por um incêndio e teve seu acervo destruído.

Nesta segunda (03), o museólogo Marco Aurélio Caldas esteve no interior do prédio. Um dos poucos a serem autorizados a entrar no prédio, Caldas disse que o segundo andar ficou completamente destruído e que disse "acabou tudo". Em “acabou tudo” está incluso o fóssil do maior dinossauro de grande porte já montado no Brasil, o fóssil da Luzia, a mais antiga habitante da América Latina e a coleção de múmias egípcias.

“Estamos falando de um acervo que virou cinza e do empenho de milhares de pesquisadores que construíram esse museu. Nós estamos falando da construção da cidadania brasileira, pois o nosso pensamento crítico passa pelo acesso a esse tipo de conhecimento. Esse processo [de restrições que levou ao incêndio] tem responsáveis e essa é a questão principal”, disse a presidenta da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé.

Foram perdas inestimáveis em 6 horas de incêndio, mas elas já eram anunciadas. Em junho deste ano, o museu realizou uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para reabrir sala de dinossauro, interditada há cinco meses após um ataque de cupins, o museu armou uma campanha de financiamento coletivo na internet. A meta era chegar a R$ 50 mil.

Antes disso, o governo já era omisso em relação às necessidades de manutenção do museu. Com os seguidos cortes no orçamento da instituição, o Museu Nacional não recebe integralmente, desde 2014, a verba de R$ 520 mil anuais para sua manutenção. Em 2016, esse orçamento caiu para R$ 415 mil, em 2017 foi para R$ 346. E até abril de 2018, o museu recebeu apenas R$ 54 mil.

Mantido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele foi afetado também pelo sucateamento das universidades brasileiras. Em 2016, por exemplo, a UFRJ ficou sem dinheiro para pagar os terceirizados, o que levou ao fechamento temporário do museu.

“O orçamento do Museu Nacional já vem em redução, temos os próprios cortes das universidades públicas que tem sofrido também contingenciamento de recursos e o Museu Nacional estava vinculado a UFRJ, então de alguma maneira isso também impacta. Nós temos o abandono da Ciência e da Cultura no país e isso também está vinculado a Emenda Constitucional 95. Esse incêndio é a prova nua e crua, é a materialização do que a política de cortes de verba pode fazer”, finalizou Flávia.

Para o  professor de arqueologia e doutorando pelo MAE/USP Thomas de Toledo, o incêndio do museu Nacional do Rio de Janeiro foi uma "tragédia sem precedentes". Para ele, "o museu mais antigo do país, onde funcionou a sede da Monarquia, foi abaixo pela irresponsabilidade de como as autoridades vêm tratando a memória histórica e o conhecimento", disse em referência aos cortes de verbas que gravaram a situação da instituição.

"Pesquisas em andamento viraram pó. A memória e a ciência brasileira e mundial estão em luto. Uma dor irreparável! Que nestas eleições, haja um compromisso dos políticos com a memória, a história e a ciência", ressaltou Toledo em nota.

Incêndios recorrentes

A destruição do Museu Nacional do Rio de Janeiro não é exceção no país. Infelizmente, o Brasil coleciona mais sete casos similares de destruição de tesouros culturais e científicos do país em apenas 10 anos.

Os mais recentes incluem o Museu da Língua Portuguesa, que pegou fogo em 2015 e a Cinemateca Brasileira em 2016. Anteriormente, isso tinha acontecido também com o Teatro Cultura Artística (2008), Instituto Butantan (2010), Memorial da América Latina (2013), Museu de Ciências Naturais da PUC de Minas Gerais (2013) e o Centro Cultural Liceu de Artes e Ofícios (2014).

Agora, o descaso dos últimos anos foi aprofundado pelo teto dos gastos que limita os investimentos ao crescimento da inflação durante 20 anos. E, enquanto isso, o orçamento de 2018 para o Museu Nacional foi equivalente ao novo salário mensal dos juízes, que devem receber R$ 39 mil cada. Já que o museu recebeu só R$ 54 mil par este ano.