Por que somos tão insatisfeitos com os serviços públicos?

Duas razões se destacam: o sistema tributário baseado em impostos indiretos e regressivos e a comparação feita pela população que viaja com os serviços de outros países, vistos como modelo.

Por Helder Lara Ferreira Filho*

protesto educação

 A pergunta que dá título a este artigo tende a parecer estranha num primeiro momento. Afinal, qual brasileiro está realmente satisfeito com os serviços públicos oferecidos no país, seja no âmbito de mobilidade urbana, da saúde, da educação, de transportes (estradas, portos, aeroportos etc.), dentre outros?

No entanto, ao se analisar a relação entre a arrecadação de cada governo e seu respectivo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, como uma medida do resultado das intervenções do governo, em última instância), o Brasil aparece, ao contrário do esperado pelo senso comum, com o IDH muito próximo do que seria esperado, dado seu nível de arrecadação.

Para verificar essa afirmação, vejamos o gráfico que mostra essa relação entre a arrecadação de cada país – dada pela carga tributária per capita, em milhares de dólares com Paridade de Poder de Compra (PPC), resultado da multiplicação entre a carga tributária do governo central de cada país (em % do PNB) e seu respectivo PNB per capita em dólares com PPC – e seu IDH.

Como se pode verificar pelo Gráfico 1, o desempenho do Brasil está em linha do que seria o esperado dado seu nível de arrecadação. Portanto, a pergunta deste artigo permanece válida: por que os brasileiros somos tão insatisfeitos com os serviços públicos? Claramente, não existe uma única resposta para essa questão, no entanto, duas se destacam.

A primeira questão escancara os problemas do sistema tributário brasileiro. Este está baseado em tributos indiretos e regressivos, ao contrário dos países maduros, que concentram em tributos diretos e progressivos. Segue-se que, na prática, a população de menor rendimento tende a ter uma carga tributária maior do que aquela de maior rendimento.

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), por exemplo, cerca de 79% da população recebiam até 3 Salários Mínimos (3 SMs) e quase 90% até 5 SMs em 2014. Por outro lado, segundo estudo do IPEA (“Receita pública: quem paga e como se gasta no Brasil”, de 2009), a carga tributária bruta para aqueles que ganham até 2 SMs, em 2008, foi de aproximadamente 54%, enquanto para os que ganham entre 2 e 3 SMs foi de quase 42% e entre 3 e 5 SMs de quase 38%. Ou seja, mesmo retirando a carga tributária dos níveis subnacionais (estadual e municipal), quase 90% da população brasileira paga, em média, uma maior proporção de sua renda do que paga a média nacional.

Se essa proporção fosse aplicada para a população em geral, a arrecadação tal como foi calculada no Gráfico 1 seria maior do que a apresentada, o que faria com que a expectativa da população para a qualidade de vida (aqui tendo como proxy o IDH) também fosse superior do que a efetiva. Portanto, para quase 90% da população brasileira, faz sentido essa sensação de que o Estado brasileiro poderia estar provendo uma melhor qualidade de serviços públicos.

Mas, e os outros 10% – aqueles com a maior renda no país que, como foi apresentado acima, pagam uma proporção menor de suas rendas em tributos? A explicação para a indignação desses com a prestação de serviços públicos não pode ser a mesma dos outros 90% da população. Logo, há uma segunda questão diferente para esses que passa pela possibilidade desse grupo de viajar para o exterior (mais comumente para países com renda per capita superior à brasileira), ou pelo menos ter acesso a informações sobre outros países e comparar com a situação brasileira.

Como essas pessoas vivenciam ou conhecem experiências mais bem sucedidas na oferta de serviços públicos, de forma equivocada, fazem um paralelo com a realidade do Brasil e concluem que os serviços públicos por aqui são prestados de forma insuficiente e ineficiente. O problema com essa análise é que desconsidera o fato de o Brasil ter uma renda per capita (e, por conseguinte, uma arrecadação per capita), em geral, bastante inferior àqueles países que normalmente são utilizados como modelo a ser alcançado em termos de qualidade dos serviços públicos.

Em resumo: são esses dois pontos que parecem se destacar na justificativa acerca da sensação da população brasileira de que não tem uma qualidade de vida condizente com nível de arrecadação brasileira. Por óbvio, não são esses os únicos pontos, sendo que ainda há diversos outros, tais como a percepção de grande corrupção e desperdício de recursos públicos.

A realidade, contudo, é que o país ainda tem um nível de renda per capita (em torno da 70ª posição mundial, em dólares PPC, de acordo com dados do Banco Mundial de 2014) menor do que o necessário para que possa ter uma arrecadação per capita suficiente para que sejam ofertados serviços públicos de nível semelhante ao dos países desenvolvidos.

De fato, há uma interpretação equivocada causada pela injustiça tributária e pela renda per capita brasileira ser, hoje, inequivocamente menor do que sua renda potencial. Isso não quer dizer, todavia, que não haja espaço para evolução na eficiência dos gastos públicos. Inclusive, aprimorar a qualidade e a composição das despesas do governo para áreas mais prioritárias (infraestrutura, ciência e tecnologia etc.) pode contribuir para a própria elevação do crescimento e da renda per capita brasileira. A questão aqui ressaltada é que a realidade não é tão ruim como parece à primeira vista.

*Helder Lara Ferreira Filho é mestre em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)