Evocações de agosto- Getúlio Vargas, Anistia e Marcha a Brasília

Estes dias finais de agosto evocam três acontecimentos de enorme importância para a luta política e democrática. E que fazem parte do mesmo movimento histórico que se desdobra no Brasil no esforço pela conquista e consolidação de um estado de direitos sociais e políticos para todos.

Por José Carlos Ruy*

Anistia - Reprodução

São três aspectos da mesma luta travada em nossos dias: os 64 anos do suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954; os 39 anos da lei de anistia, em 28 de agosto de 1979; e os 19 anos da Marcha dos Cem Mil à Brasília, em 26 de agosto de1999.

Foram acontecimentos que, tendo ocorrido em contextos históricos distintos, envolveram na contenda os mesmos personagens sociais que se enfrentam na luta que se dá historicamente no Brasil – aquela que opõe os defensores do progresso social aos que se beneficiam com o atraso e o subdesenvolvimento.

Em1954, a campanha contra Vargas era intensa, e envolvia os antepassados da mesma direita que, em torno do ilegítimo Michel Temer, tomou ilegalmente o poder em 2016. Naquela campanha, cujo mote era o “mar de lama” – como hoje é a lava-jato – envolvia o jornal O Globo (como hoje a Rede Globo), setores da burocracia estatal (na época, chefes militares, hoje setores do judiciário), apoiados por setores conservadores da classe média e especuladores financeiros, apoiados na ação da UDN, cujo lugar cabe hoje ao PSDB.

Aquela conjura de conspiradores se opunha ao programa desenvolvimentista, industrializante e nacionalista de Vargas, à afirmação da soberania nacional, à liberdade sindical, à melhoria da renda dos trabalhadores. E odiava o então progressista PTB e os comunistas que o apoiavam, como hoje odeia o PT e a esquerda.

A ação golpista contra Vargas se acelerou no mês de agosto, e o presidente foi virtualmente deposto na madrugada do dia 24. Entretanto, como na ocasião disse um dos principais conspiradores, o direitista Carlos Lacerda, Vargas puxou a toalha da festa da direita: naquela madrugada, o presidente deu um tiro no peito. Deixou uma Carta Testamento, um documento nacionalista que denuncia os adversários do povo, do Brasil e do progresso que agiram contra seu governo; nela, afirmou sair da vida para entrar na história. A comoção popular foi intensa. No Rio de Janeiro o povo, em tumulto, atacou a embaixada dos EUA, sedes de empresas estadunidenses, veículos e a sede dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa. O suicídio de Vargas foi seu último ato político, e barrou o golpe da direita fascista, que viria a ocorrer dez anos depois, em 1964.

A anistia de 1979 respondeu a uma das principais bandeiras da luta contra a ditadura militar de 1964. Ela se juntava às outras duas bandeiras principais, como o PCdoB indicava acentuadamente desde 1975: a convocação de uma assembléia nacional constituinte livremente eleita e a revogação de todos os atos e leis de exceção.

A luta pela anistia se fortaleceu desde 1975 e ganhou corpo, naqueles anos, através dos inúmeros Comitês Brasileiros pela Anistia que se espalharam pelas cidades brasileiras. A discussão foi intensa, culminando no projeto de uma anistia que, na falta d melhor designação, foi chamada de anistia recíproca, apresentado pelo general João Batista Figueiredo, que ocupava a presidência da República – projeto que tinha uma inovação mundial: incluiu também os chamados crimes conexos– isto é, beneficiou os torturadores da ditadura. Projeto aprovado pelo congresso brasileiro em 28 de agosto de 1979. E teve dois efeitos: permitiu a volta, à luz do dia, de democratas exilados ou clandestinos que, nas novas condições, puderam voltar à ativa, mesmo nas condições limitadas da época. O outro efeito foi a forte resistência dos democratas contra o benefício aos torturadores e assassinos da ditadura, cuja punição ainda é exigida pela consciência democrática do país.

Finalmente, um terceiro episódio da luta democrática e popular que o final de agosto evoca é a marcha a Brasília, em 26 de agosto de1999, organizada por inúmeras entidades da sociedade civil, do movimento popular, sindicatos, partidos de oposição ao governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, entre eles o PCdoB.

Encarada pelo governo de FHC e seus aliados como "baderna sem rumo", a marcha reuniu mais de 100 mil pessoas na luta contra o desemprego, os juros altos, as privatizações e demais medidas neoliberais do governo de FHC, que prejudicavam o povo e a economia do país. Defendia a indústria e o fortalecimento da economia brasileira. E foi um dos pontos altos da mobilização popular contra FHC, cuja aprovação estava em queda acentuada no meio do povo, culminando três anos depois (em 2002) com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República.

*José Carlos Ruy é jornalista e escritor.