Presos norte-americanos em greve contra a “escravidão moderna”

Presos de pelo menos 17 estados dos EUA iniciaram na terça-feira (21) uma greve em protesto contra as condições de vida e a exploração do trabalho nos cárceres, e pelo acesso a programas de reabilitação

cadeia nos eua

A ação de protesto, de caráter nacional e que deve prolongar-se até 9 de setembro, estava programada para o ano que vem, mas foi antecipada na sequência da revolta ocorrida na instalação penitenciária de Lee, uma prisão de máxima segurança na Carolina do Sul onde, em abril, sete reclusos perderam a vida.

Num comunicado divulgado pela rede de defesa dos reclusos Jailhouse Lawyers Speak, afirma-se que "a revolta poderia ter sido evitada caso a prisão não estivesse sobrelotada", situação que, no entender da organização, é devida a política de "encarceramento em massa e desrespeito pela vida humana que marcam a ideologia penal" norte-americana.

Durante as quase três semanas previstas de greve, apoiada por mais de cem organizações norte-americanas do lado de fora das cadeias, segundo revela o The Independent, os presos vão se recusar a trabalhar, se sentar no chão, de forma pacífica, como forma de protesto, promover boicotes e fazer greves de fome.

Num documento divulgado no início deste mês, os organizadores do protesto, que se prevê que seja o maior do gênero em prisões dos Estados Unidos – superando, inclusive, o que teve lugar em prisões de 12 estados em 2016 –, afirmaram: "Os reclusos entendem que estão sendo tratados como animais. Sabemos que as condições [em que vivemos] estão provocando danos físicos e mortes que podiam ser evitadas se os responsáveis da política penitenciária se importassem com isso… Para alguns de nós, é como se já estivéssemos mortos. Então o que é que temos a perder?". 

Aos reclusos nos EUA está vedado o direito de organização, de formação de sindicatos ou mesmo de reunião em grandes grupos, tornando a greve "tecnicamente ilegal", refere o The Independent, lembrando que alguns dos organizadores da greve de 2016 foram punidos antes mesmo do protesto começar, sendo transferidos ou colocados na solitária.

Contra a escravidão moderna, por melhores condições de vida

A Prensa Latina indica que reclusos de alguns estados já foram ameaçados pelas autoridades, que "os avisaram que sofreriam as consequências se participassem na greve". Ainda assim, os presos mostram-se determinados, tendo elaborado uma lista com dez exigências a nível nacional.

Entre elas, contam-se: melhorias imediatas nas condições de vida nas prisões; o fim imediato da "escravidão prisional" (trabalho obrigatório a troco de "salários miseráveis"); a eliminação da "morte por encarceramento" ou das condenações a pena perpétua sem liberdade condicional; o acesso de todos os presos a programas de reabilitação, para os quais se exige maior financiamento; o fim de práticas racistas de condenação, que fazem sobretudo dos negros um alvo.

A questão da "escravidão moderna" é, entre as várias questões de "direitos humanos" para as quais os reclusos chamam a atenção, uma das que ganham maior importância e que os presos mais têm combatido nos EUA. Recentemente, a questão da exploração trabalhista dos presos veio à tona com os incêndios na Califórnia, onde reclusos foram chamados para os combater a troco de um dólar por hora.

A prática de recorrer a reclusos para realizar trabalhos de forma grátis ou a troco de "salários miseráveis" é bastante comum nos Estados Unidos, levando em conta que a 13.ª Emenda, que aboliu a escravidão e a servidão involuntária, abre uma excepção para a "punição de crime".

Sobre a importância do protesto, Brooke Terpstra, do Comitê Organizador dos Trabalhadores Presos (IWOC, na sigla em inglês), afirma que os participantes na greve sabem que dificilmente as suas exigências terão uma resposta positiva "no espaço de algumas semanas – ou mesmo no todo". Mas é "importante pôr as pessoas a falar sobre elas", disse ao The Independent.