Se é para seguir o mercado, Estado para quê?, questiona Pochmann

Economista defende enfrentamento ao "rentismo" e papel dos bancos públicos. E provoca imprensa comercial: "A mídia defende a livre competição, mas não há livre competição nesse mercado"

Marcio Pochmann - Agência Senado

"Se é para atuar como mercado, não precisa ter Estado", disse o economista Marcio Pochmann ao tratar do plano de governo do PT no setor econômico, durante debate na manhã desta quinta-feira (23) na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Segundo ele, é fundamental uma "reorganização na governança", com retomada do investimento público para fomentar o crescimento, e combate aos juros.

"Não é possível um país decente não enfrentar o rentismo. A questão dos juros é crucial", afirmou Pochmann, em evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, e pelo jornal O Estado de S. Paulo, que tem ouvido economistas ligados a candidatos à Presidência da República.

O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Fundação Perseu Abramo defendeu o papel dos bancos públicos na economia, na contramão do atual governo. E também enfatizou a importância da Petrobras e do sistema elétrico estatal, lembrando que o setor elétrico era privado até os anos 1950, o que não evitava problemas. Até citou uma antiga paródia (Vagalume, de Victor Simon e Fernando Martins, de 1954): Rio de Janeiro/ Cidade que me seduz/ De dia falta água/ E de noite falta luz.

Segundo ele, o Estado pode "fazer muito" pelo setor privado ao oferecer regras claras e garantias de que o país não viverá uma recessão. A atual gestão Temer e mesmo o final do governo Dilma fizeram uma "opção" pela recessão, contraindo crédito, cortando gastos e elevando juros. A situação se tornou mais grave no período recente. "É preciso compreender que a opção pela recessão nos levou a uma situação dramática", criticou o também ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No setor de petróleo, ele afirmou que o pré-sal só foi possível devido ao caráter estatal da Petrobras. "Agora, você começa a privatizar, entregando de bandeja. Os investimentos que foram feitos visavam a mudar o perfil do país, de exportador de produtos básicos para produtos de maior valor agregado." Para Pochmann, o país tem hoje refinarias deficitárias "porque a atual direção da Petrobras fez uma opção por importar".

Para fazer com que o Estado volte a investir, é preciso, antes de mais nada, revogar a Emenda Constitucional 95, que congelou gastos públicos por 20 anos. Pochmann defende essa medida, assim como anular a "reforma" trabalhista, que seria substituída por um Estatuto do Trabalho, mais adaptado à realidade do mercado, que não se limita aos assalariados formais. "A CLT, de alguma forma, é um código do trabalho assalariado", disse o economista, lembrando que a situação se deteriorou principalmente no período Temer.

Trabalho e Previdência

"Não vamos esquecer que cinco anos atrás o problema era escassez de mão de obra qualificada. Pegamos (em 2003) um governo com alto desemprego e o deixamos perto do pleno emprego." Pochmann defendeu também que o Banco Central considere o emprego, e não só a inflação, em suas metas.

Pela lei em vigor, afirma o economista, em três ou quatro anos não haverá mais sindicatos, esvaziados pelo fim do financiamento. O fim da homologação nos sindicatos e da Justiça gratuita são outras medidas que ele considera nocivas aos trabalhadores. "Na prática, estamos fundamentando o poder patronal."

Bastante questionado pelos entrevistadores sobre uma reforma da Previdência, Pochmann considera "muito malfeito" o debate atual em torno do tema, que desconsidera o sistema de seguridade como um todo. Ele defendeu mudanças pontuais – principalmente em estados e municípios – e não uma reformulação geral. A "reforma" trabalhista e a ampliação legal da terceirização também terão impacto negativo na arrecadação da Previdência, agravando o problema. A questão "tem de ser vista do ponto de vista da desigualdade e dos privilégios", acrescentou o economista.

O representante do PT afirmou ainda que questões como desonerações e gastos tributários deverão ser revistas. "O Estado brasileiro promove muito privilégio. Você tem de avaliar o custo com relação ao resultado que produz." E lembrou que o tema desoneração exige diálogo com o Congresso.

Pochmann apontou resultados positivos nas gestões do partido, principalmente com Lula: "Não fizemos nenhuma aventura fiscal. Reduzimos o endividamento sem criar impostos, sem privatizar. Não há dúvida de que os governos podem gastar melhor". Mas precisam investir, lembrou. "A recessão aprofundou a crise fiscal no Brasil. É fundamental voltar a crescer." Segundo o economista, até 2014, de cada quatro reais que circulavam no país, quase dois vinham do gasto social.

Da plateia veio uma pergunta fora da área econômica, querendo saber os planos do PT para os meios de comunicação. Pochmann afirmou que as propostas não mexem com o conteúdo informativo, mas com a organização empresarial do setor. "Nossa intenção é promover a competição num segmento oligopolista. A mídia defende a livre competição, mas não há livre competição nesse mercado."