Entenda o interesse dos EUA e a rejeição da trégua pelo Talibã

O Talibã rejeitou nesta segunda-feira (20) uma oferta de cessar-fogo do governo do Afeganistão e continuará com seus ataques, disseram dois comandantes militantes do grupo; o presidente afegão havia proposto a trégua após os integrantes do Talibã cercarem a cidade de Ghazni.

Tehrik-e Talibã Paquistão - Pakistan Today

O presidente afegão, Ashraf Ghani, anunciou no domingo (19) um cessar-fogo com os talibãs, a partir dessa segunda-feira (20) e que duraria três meses, “contando que os talibãs façam o mesmo”, segundo a Agência Lusa. As declarações ocorreram após a visita do presidente afegão à cidade cercada de Ghazni; segundo a ONU, “a água e a eletricidade ainda deveriam ser restauradas” na cidade de 270 mil habitantes.

O ataque contra a cidade de Ghazni, situada a cerca de 100 quilômetros da capital do país, Cabul, ocorreu no dia 9 de agosto, “provocando a morte de pelo menos 100 membros das forças de segurança” e matando “entre 100 a 150 civis”, segundo o representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) no Afeganistão, Tadamichi Yamamoto.

O último cessar-fogo entre o governo do Afeganistão e os talibãs ocorreu em junho, para celebrar o final do Ramadã, mas os talibãs emergiram da pausa mais fortes, como prova o recente ataque à cidade de Ghazni. O ataque coloca sob ameaça o governo pró-ocidental afegão antes do começo da campanha eleitoral para as eleições parlamentares, previstas para o dia 20 de outubro.

Segundo a Reuters, um dos comandantes do Talibã disse que a pausa de junho só ajudou as forças dos Estados Unidos, que “o Talibã está tentando expulsar do país”, e o líder do grupo, o xeique Haibatullah Akhunzada, rejeitou a nova oferta alegando que só ajudaria a missão liderada pelos norte-americanos.

A oferta de cessar-fogo do presidente afegão de domingo (19) foi saudada imediatamente pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que afirmou que “os EUA estão preparados para apoiar e facilitar conversações de paz diretas entre o governo afegão e os talibãs”. Contudo, segundo o portal de notícias português AbrilAbril, o objetivo seriam negociações diretas entre os Estados Unidos e o Talibã, com o objetivo de proteger os interesses estratégicos norte-americanos na região em caso de retirada dos mais de 15 mil soldados estadunidenses que estão no país.

Os EUA esperam que o atual presidente afegão, Ashraf Ghani, seja mais aberto para esse objetivo do que o seu antecessor, Hamid Karzai, que deu passos para negociar diretamente com os talibãs sem intervenção norte-americana – algo que não só não foi aceito como foi também sabotado por Washington.

Em um artigo publicado no Asian Times no dia 17 de agosto, Rajeshwari Krishnamurthy, diretora do IPCS-Institute of Peace and Conflict Studies de Nova Delhi (Índia) e especialista em questões de segurança e relações internacionais, considera que “os contatos desenvolvidos” pelos norte-americanos não só “reforçam a principal reivindicação dos talibãs – o não reconhecimento da legitimidade do atual governo afegão –, como lhes permitem negociar com os EUA “de igual para igual”, como ambicionam há muitos anos.

Segundo a analista, apesar das frequentes declarações norte-americanas de que o processo de paz deve ser conduzido pelos próprios afegãos, o estatuto de superpotência e um “extenso envolvimento no conflito” impedem os EUA de assumir o papel de negociador imparcial ou neutro.

“A única exigência que eles [os EUA] fizeram foi a manutenção das suas bases militares no Afeganistão”, declarou um líder talibã ao The New York Times. Se esta declaração for verdadeira, “não é de se admirar que o encontro seja interpretado como uma negociação bilateral entre os talibãs e os EUA” e, nesse caso, terá de levantar-se a questão: com que legalidade Washington está negociando “os termos da sua presença militar futura com outra entidade que não o legítimo governo eleito pelos afegãos?” e, além disso, “que interesses serviram os EUA no recente encontro?”, questiona Krishnamurthy.

O AbrilAbril destaca que, diante desses acontecimentos, a ofensiva dos talibãs em Ghazni assume um objetivo tanto militar como político: o de obrigar o governo afegão a reconhecer publicamente a sua incapacidade, seja de continuar a guerra, seja de fazer a paz com os talibãs, vendo-se obrigado a dar carta branca a Washington para tratar diretamente do assunto com os eventuais futuros senhores do Afeganistão, a fim de que os EUA possam perpetuar o seu domínio sobre esta região-chave entre o Oriente Médio, a Ásia Central e a Ásia do Sul (já que conecta todas essas regiões).

Foram esquecidas as críticas ao regime “bárbaro” que derrubaram em 2001, por meio de uma intervenção militar cujo pretexto foi “combater o terrorismo” e “libertar o povo afegão”, regime que após matar e reprimir milhares de pessoas, os EUA permitem que voltem a comandar o país.