Intervenção no Rio institucionalizou licença para matar na favela

Nesta quinta-feira (16), o Observatório da Intervenção lançou um relatório com o balanço dos seis primeiros meses de intervenção militar no Rio de Janeiro. O estudo mostrou que mês após mês há a continuidade das problemáticas da intervenção: aumento da violência, de mortes e tiroteios, principalmente nas favelas. Além dos números desalentadores, a entidade destacou fatos que comprovam uma política de segurança equivocada.

Por Verônica Lugarini

Intervenção militar no Rio de Janeiro - Divulgação

De acordo com dados do Observatório da Intervenção, os dados sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro compõem um quadro desalentador. Os índices de mortes violentas, tiroteios e chacinas permanecem altos, havendo ainda um crescimento preocupante de ocorrências que denotam descontrole no sistema de segurança pública, como mortes decorrentes de intervenção militar ou policial.

Desde o início da intervenção em fevereiro, foram realizadas 372 operações com 172 mil agentes e apreensão de 372 armas e 81 mortos nestas operações divulgadas. Com 51 policiais mortos, sendo que deles 30% em serviço e 70% fora de serviço, seguindo uma média nacional de ocorrências desses casos.

De fevereiro a julho houve 2.617 homicídios dolosos, 736 pessoas mortas pela polícia e 99.571 roubos, segundo dados do Instituto de Segurança Pública divulgados nesta quarta (15).
Desse total, houve crescimento nos homicídios decorrentes de intervenção policial de 63 casos em julho do ano passado, e passaram para 129 casos, em julho último. Já os homicídios dolosos também subiram de 374 casos em julho de 2017 para 408 casos em julho de 2018.

Todavia, é necessário elucidar que há uma grande divergência nos números de homicídios por regiões. Em Copacabana ocorreram 7 homicídios, em Leblon e Ipanema 13, em Nova Iguaçu 159, em Caxias do Sul 113. O Observatório também destacou que as favelas são as áreas onde o impacto da intervenção é mais forte.

“Não bastassem os números, nossa memória da intervenção tem, até aqui, a marca indelével de episódios traumáticos, como os tiros disparados de helicópteros da polícia sobre favelas e a morte do estudante Marcos Vinícius, abatido por tiros originados em um blindado, no Complexo da Maré, quando seguia para a escola. Depois de seis meses, a polícia fluminense, com sua fraca cultura investigativa, não elucidou o crime contra Marielle Franco; não explicou como se deu a chacina da Rocinha, em que oito pessoas foram executadas durante uma operação do Batalhão de Choque, em março; nem investigou as quatro mortes durante operação na Cidade de Deus, em maio”, destaca o relatório.

Filipe dos Anjos, conselheiro do Observatório e secretário-geral da Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), frisou que na concepção militarista de segurança, a favela é considerada área hostil, onde todas e todos são inimigos.

“A construção da figura do inimigo é ponto central na filosofia da guerra adotada pelas forças de segurança nos morros cariocas. Invadir a favela com um tanque de guerra é, antes de tudo, uma decisão política do Estado”, disse o conselheiro.

Porém, mesmo com alguns dados divulgados, as entidades que acompanham a situação têm tido dificuldade para saber o custo da intervenção no Rio de Janeiro.

“Quanto custam essas operações? Esse é um dos maiores mistérios, que nem o Observatório com especialistas interacionais em orçamento e acompanhamento de gastos estamos conseguindo decifrar”, afirmou Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção.

O custo mais aproximado destas operações foi divulgado pelo The Intercept. O site apurou que via GLO (Garantia de Leis de Ordem), ou seja, quando há a participação das Forças Armadas, foram gastos R$ 46 milhões nessas operações entre 16 de fevereiro e 30 de junho. Com isso, o gasto por operação foi de aproximadamente R$ 1 milhão por operação realizada.

“Não conseguimos responder quanto custa a intervenção objetivamente, mas conseguimos responder quanto vale uma vida na favela: é nada. É importante falarmos que a intervenção não só não produziu dados positivos em relação a questão da violência, mas ela aprofundou o preconceito da sociedade em relação à favela e, a licença para matar, foi institucionalizada. Hoje se mata na favela e não conseguimos nenhuma resposta o oficial dessas investigações. Hoje temos a desvalorização completa da vida na favela por meio de uma ação dos Estado e o não diálogo com a sociedade a partir das nossas cobranças”, finalizou Itamar Silva, conselheiro do Observatório e diretor do Ibase.