Temer transfere Central de Atendimento à Mulher para Ouvidoria

Após a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), em 2016, o Ministério de Direitos Humanos foi reorganizado para abranger essa e outras pautas que antes tinham secretarias próprias, como a Igualdade Racial e Juventude. Se na época a medida já provocou descontentamento, o movimento de mulheres agora denuncia que o desmonte continua, com uma recente mudança no sistema do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher.

violência contra a mulher - Fernando Frazão/Agência Brasil

Criado em 2005 pela então SPM, o canal de telefone é a principal porta de acesso aos serviços que integram a rede nacional de enfrentamento à violência contra mulher. Desde 2014, o Ligue 180 havia se transformado em um disque-denúncia, o que significa que passou a enviar as denúncias para a Segurança Pública com cópia para o Ministério Público de cada Estado.

Agora, porém, embora haja uma Secretaria de Políticas para Mulheres dentro do Ministério, o MDH informa que o Ligue 180 passou a integrar a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que também irá ser responsável pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos). Na prática, o Ministério não explicita o que isso significa para o canal, embora tenha apontado que a Ouvidoria possui “software para registro e encaminhamento das denúncias, fator importante na geração de dados confiáveis que visam colaborar para a implementação de políticas públicas”. A falta de informações sobre o novo formato causa dúvidas em militantes que defendiam o antigo modelo.

Segundo o Ministério de Direitos Humanos, atualmente o canal recebe as denúncias e, “com serviço humanizado, acolhe e registra as manifestações, faz os encaminhamentos e dissemina informações sobre a Lei Maria da Penha, os Direitos da Mulher, seu amparo legal”, além de esclarecer sobre os tipos de violências. “Assim, a ferramenta cumpre seu papel de difundir, encaminhar e acompanhar os trabalhos da Defensoria e Promotoria Pública, da rede de serviços no atendimento e acolhimentos disponíveis”, afirma texto divulgado pelo MDH.

Em denúncia publicada nas redes sociais na semana passada, a ex-coordenadora da Central durante o governo Dilma Rousseff, Ane Cruz, classificou a colocação do Ligue 180 na estrutura da Ouvidoria como “um despropósito absurdo”. “Estar vinculado à Secretaria de Políticas para as Mulheres significava garantir a sua especialização, as condições, treinamento para as atendentes. Transformá-lo em canal de ouvidoria é dar fim a um instrumento tão importante à vida das mulheres”, apontou.

Para Ariane Leitão, que foi secretária de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul durante o governo de Tarso Genro (PT), a mudança é um “retrocesso absurdo”. “O que nos causa desespero é que exatamente no aniversário da Lei Maria da Penha, em agosto, o presidente assina um decreto que retira o Ligue 180 da SPM e passa para a Ouvidoria do Ministério, ou seja, é uma descaracterização total”, lamenta.

Ela lembra que há a necessidade de se ter políticas específicas para as mulheres, ao invés de consideradas como direitos humanos em geral. “Cadê a caracterização específica do atendimento à mulher? [O Ligue 180] foi a única coisa que nos restou, então isso representa o fim total. As mulheres vão ligar e vão fazer o que, o que é ser uma Ouvidoria?”, questiona, comparando com a situação do Estado, onde também a atual gestão extinguiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres, mas manteve o canal 0800, de denúncias para casos de violência contra a mulher. Segundo Ariane, o movimento teme que haja um desmonte no sentido de pessoal qualificado, visto que até então o Ligue 180 contava com técnicas treinadas para atender as denúncias.

Nesta segunda-feira (13), o MDH divulgou os dados mais recentes obtidos pelo Ligue 180, referentes ao período entre janeiro e julho de 2018. Neste período, foram registrados pelo canal 27 feminicídios, 51 homicídios, 547 tentativas de feminicídios e 118 tentativas de homicídios. O Ministério não especifica, porém, quais os critérios para classificar alguns casos como feminicídio e outros como homicídio. Já os relatos de violência chegaram a 79.661, sendo os maiores números referentes à violência física (37.396) e violência psicológica (26.527).