Mortalidade materna cresce no país e governo descumpre metas da ONU

De acordo com dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade materna voltou a crescer. A taxa foi de 62 por 100 mil nascidos vivos em 2015 para 64,4 em 2016, após diversas quedas nos anos 1990. Para além do aumento, o Brasil havia assumido, e descumprido, a meta de reduzir a mortalidade materna em 75% até 2015 e agora, irá descumpri-la novamente em 2030, em um novo retrocesso.

Por Verônica Lugarini

mortalidade materna

Os dados divulgados recentemente sobre a volta da mortalidade infantil, aumento da extrema pobreza, queda nas vacinações e possível volta do país ao Mapa da Fome têm alarmado a população brasileira e especialistas.

O levantamento mais recente divulgado pelo Ministério da Saúde nesta segunda (13) revela que as mortes maternas – mulheres que morrem durante a gestação, o parto ou 42 dias depois dele por fatores associados à condição – cresceram no país e a perspectiva do próprio governo não é de melhora nos próximos anos.

Isso porque o Brasil já descumpriu a meta estabelecida para 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), dentro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Segundo o pacto, o Brasil deveria ter baixado em 75% as mortes maternas até 2015, mas chegou a uma redução de apenas 57%, faltando ainda 18% pontos percentuais para alcançar o objetivo.

O cenário futuro também não é positivo, o governo já anunciou que não irá conseguir cumprir a meta para 2030. Ou seja, o Brasil reduzirá a mortalidade materna para apenas 50%, queda de apenas 7% em 12 anos. Com isso, o país teria uma taxa de 30 mortes por 100 mil nascidos vivos em 2030 – o plano original era chegar a 2030 com 20 mortes por 100 mil.

Hoje, as estatísticas do ministério expõem que depois dos avanços nos anos 1990, as mortes maternas voltaram a subir. Em 2013, houve uma primeira alta, novamente em 2015 com registro de 62 mortes de mães por 100 mil nascidos vivos (redução de 57%), e novamente em 2016 com taxa de 64,4.

Os dados preocupam por revelar que o país retrocedeu tanto no indicador quanto no compromisso internacional. As políticas públicas e seus resultados positivos cessaram e agora pioram.
Para a presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM), Vanja Santos, não é apenas a taxa mortalidade materna que piorou, mas todas as metas e índices sociais que haviam avançado nos últimos anos, como a mortalidade de infantil, da mulher e de violência estão aumentando novamente. A mortalidade infantil, por exemplo, voltou a crescer após 26 anos em queda, aumentando 11% entre 2015 e 2016.

“O governo está ciente de essas metas não estão sendo cumpridas, principalmente as que se referem à saúde. Com isso, o governo faz com que seus representantes, que são reais responsáveis por políticas públicas, joguem a culpa desses números [negativos] na sociedade civil, como se ela fosse culpada, mas o culpado é o governo”, explicou Vanja em entrevista ao Portal Vermelho.

Várias são as causas que levam aos óbitos, embora cerca de 92% das mortes sejam evitáveis. Estudos apontam hipertensão, hemorragia, infecções e abortos provocados estão entre os principais fatores.

A falta de acesso à estabelecimentos de saúde, de atendimento eficiente e rápido levam à piora do cenário, que deve se agravar ainda mais com a precarização do Sistema único de Saúde (SUS) e com a Emenda Constitucional 95 aprovada em 2017. A EC 95, também conhecida como teto dos gastos, limita o aumento dos investimentos durante 20 anos.

“Com a precarização do SUS, os serviços começam a ser diminuídos na ponta, o que leva a falta de atendimento a essas mulheres. Muitas vezes os serviços não são divulgados como devem ser, não tem horário de atendimento adequado e não há um acompanhamento do pré-natal decente e de qualidade. Isso acaba implicando nesse aumento. Fora isso, hoje está sendo discutida a questão do aborto que leva a muitos óbitos, principalmente para as mulheres negras e as pobres. E o resultado é esse que está sendo apresentado hoje [pelo ministério]”, destacou a presidenta da UBM.

Aborto não seguro

Em discussão no Supremo Tribunal Federal, a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação poderia evitar que mulheres morressem após complicações geradas pelo aborto inseguro, destaca o representante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Rosires Pereira de Andrade.

Hoje a interrupção voluntária da gravidez é a quarta causa de morte materna.

“O aborto é um tema urgente. Se considerarmos as 503 mil mulheres que abortaram de maneira clandestina, e possivelmente insegura, apenas em 2015, podemos descrever o aborto como um fato da vida reprodutiva das mulheres e uma necessidade da saúde que precisa ser levado a sério por profissionais e instituições públicas e privadas”, informou e ressaltou que, apesar do avanço da medicina, não tem havido redução de abortos inseguros e morte materna no país.

Segundo ele, o aborto seguro tem baixo risco para a saúde e reduz a necessidade de acompanhamento médico. “Metade das mulheres que enfrentam aborto ilegal tem de ser internada. O uso do medicamento indicado reduziria o impacto na saúde pública”, garantiu. Para o representante da Febrasgo, “os embates morais ou religiosos sobre o aborto não podem desobrigar o Estado de garantir o direito à saúde das mulheres, menos ainda levá-lo a criminalizar o cuidado médico no exercício desse dever constitucional”.

Questionada sobre as metas não alcançadas, Vanja disse que diante da atual conjuntura, o governo não pode só mudar a meta, ele precisa de muito mais do que isso.

“O governo precisa correr para tentar reverter essa situação porque todos os serviços de saúde, atenção e combate à violência estão sendo precarizados, estamos vendo tudo sair pelo ralo. Ele precisa rever a EC 95, colocar mais gente para atender [nos hospitais e postos], investir na saúde da população, na divulgação de serviços que ainda temos e que estão funcionando porque além de tudo isso, a mulher precisa chegar a esse serviço e se isso não acontecer, ele precisa chegar até ela. Isso sim é saúde, é você conseguir visualizar toda problemática para ir avançando, inovando para levar saúde à população”, ressaltou Vanja.

“Essas estatísticas mostram que o país está rumando para um colapso na saúde e na área social, só não vê quem não quer e, infelizmente, o governo está de costas para a população brasileira e para esses problemas que têm sido reincidentes”, finalizou Vanja.

Índice de mortes maternas por regiões

As regiões Norte e Nordeste concentram as taxas mais altas (84,5 e 78). No Amapá, chega a 141,7. Sul e Sudeste têm os menores índices: 44,2 e 55,8, respectivamente.

O índice de mortalidade materna no Brasil é quase três vezes o do Chile.