"Unidade da classe operária: Prioridade para a luta em todo mundo"

O secretário-geral da União Internacional de Sindicatos da Metalurgia e Mineração (UISMM), Francisco Sousa, acaba de ser reeleito para mais um mandato de cinco anos (2018-2023) à frente da entidade. Poucos dias após seu retorno do Cairo (Egito), onde foi realizado o 3º Congresso da organização, ele falou ao Portal da Fitmetal a respeito dos planos para o próximo período.

Francisco Sousa, secretário-geral da União Internacional de Sindicatos da Metalurgia e Mineração (UISMM), - reprodução

Na opinião do dirigente, que também é secretário de Relações Internacionais da Fitmetal e de Formação do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari (BA), a unidade da classe operária deve ser a prioridade em nível internacional do movimento sindical classista. Para tanto, os desafios são imensos diante da crise internacional que afeta a realidade de praticamente todas as organizações pelo mundo afora.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Fitmetal: Qual sua avaliação a respeito do 3º Congresso da UISMM?
Francisco Sousa: Creio que a avaliação é positiva. Acho que o Congresso poderia ter sido mais participativo [contou com delegados de 14 países] e com mais intensidade de debates, principalmente sobre a questão do tema central [“unidade de ação, resistência e luta contra os avanços do imperialismo”]. O Brasil foi representado por uma delegação de cinco dirigentes e um assessor, sendo que a maioria não tinha experiência em congressos internacionais. Isso certamente trouxe a eles uma dose de aprendizado muito grande, que certamente será útil em cada uma de suas bases. Além disso, precisamos dar destaque também à relação que concretizarmos com os companheiros da Federação de Metalúrgicos, Engenheiros e Eletricitários do Egito, que foram os nossos anfitriões no Congresso. Eles passarão a ocupar no próximo mandato da UISMM a Tesouraria da entidade, num gesto nítido de comprometimento com a nossa luta e de disposição para ampliarmos a atuação do sindicalismo classista internacional.

Enfim, com todas as dificuldades que a atual conjuntura nos impõe e tendo em vista as mudanças que o planeta vem sofrendo, em especial no aspecto político e do mundo do trabalho, entendo que obtivemos um grande resultado para nossa entidade e para o fortalecimento da Federação Sindical Mundial.

Fitmetal: Entre essas mudanças que afetam a organização sindical, quais merecem maior destaque na atual conjuntura?
Francisco Sousa:
Nosso 3º Congresso precisa ser observado pela ótica da atual geopolítica mundial. Isso é fundamental, principalmente quando falamos do mundo do trabalho. A importância, por exemplo, da participação dos nossos camaradas da Europa, diz muito sobre isso. Toda a experiência que se coloca hoje como atualidade no mundo do trabalho, em especial naquelas entidades representadas pela UISMM, passa pela Europa. O que acontece no Brasil e na América Latina, em termos de precarização, de terceirização, de quarteirização, foi algo que ocorreu na Europa há algum tempo. Não é por acaso que o resultado dessa experiência é aplicado em outras regiões (com os devidos contextos, semelhanças e diferenças), sempre a partir da daquilo que observamos no Velho Continente em um passado pouco distante.

Diante desse cenário, percebemos que há grande interesse pelos classistas europeus em discutir esse cenário e essas dificuldades. Tivemos uma grande participação de organizações europeias em nosso 3º Congresso eprecisamos ter isso como um marco, pois os resultados desse debate com os europeus serão muito importantes para a reorganização da UISMM não apenas na Europa, como nos demais continentes.

Fitmetal: As dificuldades encontradas pelo movimento sindical classista internacional são semelhantes em todas as regiões do planeta?
Francisco Sousa:
O debate com os europeus gera entre nós uma expectativa grande, no sentido de ampliarmos e qualificarmos nosso debates na América Latina, na África e na Ásia. Os desafios são gigantescos e precisamos continuar aglutinando forças. Tenho a expectativa de que obtivemos êxito neste Congresso, pois precisamos considerar que a UISMM é um projeto em construção.

Temos que ter em mente também que estamos procurando fortalecer o campo sindical classista, que é sempre pautado na luta de classes, em defesa dos objetivos da classe operária. Já superamos quase um quinto do século 21 e temos que observar que o mundo vem se movendo, há pelo menos 50 anos, de acordo com os rumos da financeirização, da especulação financeira. Isso é péssimo para nós, que estamos procurando discutir a valorização do trabalho junto com o setor produtivo. Quando pensamos na questão do lucro especulativo em detrimento da produção de bens industriais, temos a noção mais exata dos nossos desafios. É um cenário de substituição gradual da força de trabalho cognitiva no sentido de um conjunto (equipe), por cada vez mais uma força de trabalho individualizada, em um mundo cada vez mais competitivo e desigual. Observando os blocos econômicos que temos hoje, percebemos que isso tem sido cada vez dificultado por essas forças hegemônicas que controlam a política mundial de maneira geral, incluindo o mundo do trabalho, o mundo dos direitos humanos e dos direitos sociais. Isso é complexo.

Fitmetal: Qual o papel que uma organização como a UISMM pode ter nesse cenário?
Francisco Sousa:
O cenário que descrevi é o retrato de um mundo cada vez mais excludente. Isso esteve o tempo todo no nosso radar ao organizar o Congresso. A globalização nos impôs esse desafio e precisamos discutir os caminhos para superar esse cenário. Precisamos discutir a formalização de acordos estratégicos globais para a paz, mesmo num cenário em que prevalecem os jogos de guerra, nos quais boa parte da população não sofre apenas pelos ataques e violência, mas também por exclusão e pelo seu extermínio. Quando não existe esse extermínio, muitos povos se veem obrigadosa buscar imigrações completamente suicidas. Essa é uma realidade que está aí colocada, afetando a milhões de trabalhadores. O Congresso procurou discutir essa realidade, mas o atual contexto impôs mais dificuldades do que no Congresso anterior, realizado em 2013 no Rio de Janeiro.

Se observamos as duas categorias que são preponderantes na UISMM, vemos que uma ainda trabalha mais com a exploração de recursos, enquanto a outra trata de transformação.Mesmo com o advento de novas tecnologias e a iminência da quarta Revolução Industrial, ambas ainda são ligadas totalmente à indústria e à produção global. Alguns aspectos fazem isso se assemelhar em várias partes do mundo, em especial na relação de trabalho que temos hoje. O papel das multinacionais é fundamental nisso. Elas dominam todo o processo desde meados do século passado até hoje. São mais de 50 anos de poderio. E essa força independe da forma e da tecnologia utilizadas. É um controle cada vez maior, com o cerco cada vez mais fechado —condição que nos traz muitas dificuldades, como vemos na indústria automotiva. Vemos a criação de conglomerados nesse setor, que termina gerando para nós poucas alternativas. Acabamos sofrendo com o que eles nos impõem, como no caso da terceirização. A gente escamoteia alguns aspectos, mas é algo consolidado no mundo do trabalho.

Fitmetal: Que aspectos da organização sindical tornam essa luta ainda mais complexa?
Francisco Sousa:
A quarteirização é um elemento que torna esse debate ainda mais tenebroso. É algo mais recente, que traz novos elementos para a nossa luta. Isso nos obriga, por exemplo, a discutir a pluralidade sindical, que contrapõe o nosso debate sobre a unicidade sindical. Na Europa há exemplos claros sobre isso. Ao final, a pluralidade fortalece os empresários e nos enfraquece. Mais uma vez, é na Europa que vimos algumas das experiências que hoje afetam o mundo todo. É lá também que vimos o efeito que isso trouxe sobre o movimento sindical classista. Temos que juntar os cacos e procurar refazer nossa organização para seguirmos defendendo nossos ideais.

Fitmetal: Temas como a Comunicação e uma nova organização para as Finanças foram bastante discutidos no 3º Congresso da UISMM. Que outros aspectos irão pautar os debates durante os próximos cinco anos de mandato?
Francisco Sousa:
A experiência dos últimos cinco anos nos apontou uma série de fragilidades. Mesmo assim, muito trabalho foi feito e isso precisa ser intensificado. No Brasil temos um cenário muito complexo em termos financeiros desde o ano passado, mas estamos resistindo com bravura. A prioridade, diante da realidade que se impõe, será fortificar as ações regionais em cada continente, pautando agendas que permitam encontros que se traduzam em ações concretas e um calendário com ações e atividades unificadas, para que todas as experiência locais sejam trocadas. Para as finanças, iremos fazer um grande esforço para filiar dezenas de entidades sindicais em todos os continentes, de modo a intensificar o nosso intercâmbio e permitir uma ação solidária junto aos países com menos capacidade de participar das nossas discussões pelo mundo afora.