Reformas contra reformas: dois projetos para o Brasil

O golpe reergueu o padrão econômico neoliberal demolido pelos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Apesar da retórica a favor do crescimento, as políticas propostas pelos golpistas não levarão à recuperação da economia.

Reformas do Brasil - Ilustração: Laerte

Há uma equação que não fecha. Na complexa situação que define a economia brasileira, o campo golpista elegeu as “reformas” de perfil neoliberal como prioridade absoluta. Ao mesmo tempo, prega melhorias nos indicadores sociais. É uma impossibilidade, está claro. Em entrevista ao programa Roda Vida, na TV Cultura, o pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, Geraldo Alckmin, chegou ao ponto de cogitar a extinção do Ministério do Trabalho, além de abusar da velha retórica sobre “reformas estruturantes”.

Quem também se pronunciou a respeito foi o Fundo Monetário Internacional (FMI), que em seu recente relatório externo defendeu “a consolidação fiscal, incluindo a que pode acontecer por meio do novo teto federal de gastos, e a reforma da Previdência” para “ajudar a elevar a poupança pública". Seria uma condição para atrair investimento estrangeiro direto (IED) e financiar seu déficit em conta corrente. Como uma ordem unida, consultorias financeiras pelo mundo afora têm batido nessa tecla, fazendo ressoar na mídia brasileira o mantra imperativo das “reformas”.

A caixa de ressonância dessa cantilena monocórdia é a dívida pública federal, que inclui os endividamentos no Brasil e no exterior e cresce num ritmo vertiginoso; em junho chegou a R$ 5,133 trilhões, o que representa 77,0% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional. Administrar esse imbróglio é o grande desafio para os projetos que se apresentam na corrida pela sucessão presidencial. Numa definição: como o Estado deve ser gerido. Há duas maneiras de olhar para essa questão.

Economia política

O campo conservador, com a pregação das “reformas”, se limita a defender o status quo conquistado à mão grande com o golpe de 2016 para fartar o próprio umbigo. Esse é um filme já visto no Brasil e o final, bem conhecido, não exibe faixa para romper com o peito. Não há sorrisos, não há confraternização. Há, sim, crises irreversíveis e repressão aos movimentos populares. São propostas sem nenhuma chance de gerar um Brasil melhor, ditando regras incapazes de formular consensos.

É a velha tese neoliberal de absolutização do conceito de “crise fiscal”, definido pelo seu autor, o economista James O’Connor — citado por Luiz Carlos Bresser-Pereira na obra “Uma interpretação da América Latina: a crise do Estado” —, como a crescente incapacidade do Estado de atender às demandas cada vez maiores dos vários setores da economia e grupos sociais correspondentes. Sua associação à crise econômica comporta variadas interpretações, mas é possível dizer que estamos diante de uma proposta de sacrifícios imensos para a maioria dos brasileiros.

Essa economia política da direita é defendida no Brasil desde que o projeto neoliberal começou a se expandir mundo afora, desde os anos 1970, nos governos Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos) e na ditadura militar de Augusto Pinochet (Chile). Em 1979, o então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, deixava o comando da equipe econômica recomendando ao seu sucessor, Antônio Delfim Netto, suas ideias sobre “estabilidade”, “necessidade de ajustes” e “austeridade fiscal”.

Em seu discurso de posse, o novo ministro pediu aos empresários que preparassem suas máquinas para uma época de muito trabalho. Foi um fiasco. Não é preciso muito conhecimento de economia para saber quem pagou a conta daquele desastre, da famosa “década perdida” (1980). As marcas na vida do país foram profundas: inflação fora de controle por longos 15 anos — o que originou uma sucessão de fracassados planos econômicos —, pouco investimento em atividades produtivas, descrédito internacional e por aí a lista segue.

Condomínio neoliberal

Chegamos à “estabilidade” da era Fernando Henrique Cardoso (FHC) e, por consequência, ao fundo do poço. A oposição àquele modelo ''ortodoxo'' venceu as eleições de 2002 e coube aos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a tarefa de tirar o país do pântano. Contudo, mais uma vez as forças conservadores se levantam para impedir o avanço da sociedade, abusando da demagogia para obscurecer o sentido ideológico da sua histórica linha golpista.
Para impedir a reedição desse filme, o Brasil precisa voltar a ser conduzido por outras mãos e por ideias fundadas num programa de reformas sociais capaz de romper com as travas neoliberais. Ou seja: a premissa de fazer do Estado o agente indutor da economia, oposta ao mito de que os países ricos estão interessados em subsidiar o neoliberalismo alheio, como propõe o FMI.

Isso pressupõe a continuidade da titânica luta desenvolvimentista. O desenvolvimento do país, ao contrário do que dizem os conservadores, deve sim ser um obsessão nacional. Sem um horizonte econômico claro, não há como destravar o país com um crescimento sustentado, financiado de forma não-inflacionária e sem pressões externas.

O país precisa, de reformas estruturais e democráticas, de fato, tais como a Política, do Judiciário, dos Meios de Comunicação que democratizem e fortaleçam o Estado Brasileiro; do Sistema Financeiro que incentive os investimentos e desestimule o rentismo; a Tributária que estabeleça uma tributação progressiva que inverta a injusta logística de os trabalhadores e os pobres pagarem mais impostos do que os afortunados; além de outras reformas e políticas que assegurem amplos direitos sociais. Seria a confrontação da lógica do Estado dominado pelo projeto neoliberal, uma espécie de condomínio de um “primeiro mundo” para poucos.