Cifra de mulheres mortas por abortos clandestinos exige novas leis

As mulheres argentinas marcaram um “já basta” em um dos temas mais sensíveis e controvertidos para as sociedades latino-americanas: o direito à interrupção voluntária da gravidez, impulsionado pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito.

Por Carolina Vásquez Araya

Manifestação na Argentina - Anred

O emblema da organização da qual se originou o movimento há 15 anos é um lenço verde com uma inscrição em branco que diz “Educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer”, salientando uma das causas principais de mortes evitáveis de mulheres em todos os países do continente.

O projeto de despenalização do aborto — já aprovado pela Câmara de Deputados argentina, depois de um dos debates mais apaixonantes e renhidos dos últimos tempos — busca despenalizar a interrupção voluntária da gravidez nas 12 primeiras semanas de gestação e além desse prazo quando a vida da mulher estiver em risco, quando for produto de violação e quando existam malformações fetais graves. O debate, amplamente difundido, esteve marcado por intervenções de caráter científico, ético e jurídico de alto nível, o que estabelece uma grande diferença com as posturas de políticos e membros de instituições civis em outros países, onde os argumentos excluem o marco de direitos da mulher em um contexto real de risco de vida, em uma perspectiva de saúde pública e direitos humanos.

Os direitos das mulheres quanto às suas liberdades individuais sempre estiveram historicamente restringidos. Não só desde o seio do lar, onde experimenta a maioria das agressões e limitações ao seu desenvolvimento, mas em todos os estamentos da sociedade à qual pertence, onde são exigidas certas condutas predeterminadas por um sistema machista enfocado em privilegiar as aspirações do segmento masculino: virgindade, submissão, entrega absoluta a um papel desenhado para garantir a reprodução em um cenário cheio de mecanismos de controle.

Uma das ameaças constantes na vida de meninas e mulheres é a violação sexual, fato consumado em sua maioria por homens da família ou conhecidos e em qualquer ambiente de seu entorno, provocando não apenas gravidezes não desejadas, mas também trauma psicológico permanente e toda classe de obstáculos ao seu desenvolvimento normal. No caso de meninas e adolescentes, uma gravidez significa um elevado risco para sua vida porque seu corpo, ao não ter atingido plena maturidade, não está preparado para semelhante transtorno físico e emocional. No entanto, a maioria de nossos países apresentam cifras recordes de meninas e adolescentes grávidas sem a menor possibilidade de interromper um processo de gestação provocado por um delito, porque suas legislações o proíbem a partir de considerações de caráter religioso.

Um dos resultados mais notáveis do que aconteceu na Argentina com esse coletivo que conseguiu mover as massas na exigência de uma abertura legal sobre o tema, é ter deixado estabelecida a condição laica do Estado em sua tomada de decisões, em uma sociedade integrada por pessoas diversas, cujos parâmetros de vida não respondem necessariamente a uma visão única a partir de uma doutrina religiosa.

A maré verde das mulheres argentinas abriu os espaços de discussão com respeito, e a decisão muito saudável de acabar com os mitos e os tabus sobre a sexualidade feminina, seus direitos reprodutivos, e sua decisão de não tornar a fechar essas comportas. O diálogo com respeito, mas sobretudo, o diálogo informado, é a tarefa pendente para outros países do continente.