Com decreto, Macri quer militarizar novamente a Argentina

Desde 2006, as Forças Armadas da Argentina só são autorizadas a intervir no caso de agressões de outros Estados. Na prática, os militares estão afastados de assuntos internos desde o fim da brutal ditadura que assolou o país entre 1976 e 1983.

Mauricio Macri - Presidência da Argentina

Nesta terça-feira (24), o presidente da Argentina, Mauricio Macri, reverteu a política por meio de um decreto, que passa a permitir que os militares apoiem forças policiais na vigilância das fronteiras e no combate ao narcotráfico e terrorismo.

Assim, a Argentina segue o caminho de países como o Brasil e o México, que ampliaram nos últimos anos a participação dos militares em assuntos internos. A decisão foi imediatamente criticada por grupos de direitos humanos e pela oposição.

Nesta terça-feira, o Diário Oficial argentino trouxe o decreto que detalha as mudanças. Na segunda-feira, Macri já havia apontado que a missão principal das Forças Armadas continua a ser de "proteger a soberania nacional e a integridade do território", mas que "também é importante que possam colaborar com a segurança interna principalmente oferecendo apoio logístico nas áreas de fronteiras como também intervindo frente à proteção de elementos de caráter estratégico", disse.

O novo decreto atingiu em cheio uma norma de 2006 assinada pelo ex-presidente Néstor Kirchner, que havia limitado o papel das Forças Armadas e estabelecido que os militares só podiam agir no caso de agressão estrangeira.

O governo Macri também pretende modernizar as forças, revertendo a tendência de enxugamento dos gastos militares das últimas décadas. Hoje, as Forças Armadas contam com 40 mil membros, menos da metade do efetivo de 1983.

Com as mudanças, os militares vão passar a fornecer apoio logístico para forças policiais. Uma ampliação desse papel, no entanto, vai depender de uma mudança no Congresso, o que deve ser difícil para Macri, já que o governo não conta com maioria nem na Câmara nem no Senado.

Plano

Macri admitiu que a reforma "será difícil", em uma sociedade onde as feridas deixadas pela repressão do Estado continuam abertas.

O plano de Macri foi anunciado enquanto a Argentina ainda tenta processar criminalmente militares que cometeram violações aos direitos humanos durante a última ditadura, que deixou 30 mil desaparecidos, segundo organizações humanitárias. Centenas já foram condenados.

O ministro da Defesa, Oscar Aguad, afirmou que a reforma não tem como objetivo final envolver a participação militar no combate ao crime comum.

"Isso não vai acontecer, não há chance de que isso possa ocorrer. As forças de segurança combatem o crime, as Forças Armadas não são para isso", disse ele.

Ainda assim, o governo Macri deseja usar os militares para apoiar ações de combate ao narcotráfico. O ministro informou que no curto prazo será formada uma força de ação com equipamento leve, com aproximadamente 10 mil homens.

Eles devem ser enviados para a fronteira norte do país para colaborar com a polícia no combate ao tráfico de drogas.

"Vão dar assistência logística às forças de segurança que operam na fronteira norte para ajudar na segurança e dissuadir grupos de narcotráfico e terrorismo que queiram se instalar em nosso território", explicou Aguad.

Críticas

O decreto do governo não foi bem recebido pela oposição. O deputado Felipe Solá (Frente Renovadora) advertiu que "as Forças Armadas não estão preparadas para fazer segurança interna". "É trágico para o país", disse. "Se querem reformar as Forças Armadas e abolir as leis existentes, que discutam isso no Congresso."

O ex-ministro da Defesa e atual deputado Agustín Rossi (Frente para a Vitória, de linha kirchnerista) expressou sua indignação no Twitter: "Desde 1983 é uma política de Estado em nosso país separar a Defesa Nacional da Segurança Interna. Envolver as Forças Armadas em assuntos de narcotráfico é ilegal. Em países como México, Colômbia, Brasil fracassou e se revê essa decisão", escreveu.

Paula Litvachky, diretora da Área de Justiça e Segurança da ONG Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), questionou a reforma. "Em épocas de conflito social, precisam superdimensionar o aparato de segurança. Trabalham com a ideia de que os novos conflitos sociais são questões de segurança, e aí as preocupações se extremam ao máximo", disse Litvachky.