Decisão que condenou 23 manifestantes no RJ criminaliza luta popular

Para Artigo 19, sentença é ‘temerária e arbitrária’; condenados resumem sentimento com slogan de campanha de repúdio a ser lançada na próxima semana: ‘Não é só pelos 23, é por todos que lutam’.

Elisa Quadros, a Sininho, está entre os 23 condenados - Bruna Freire

Defensores e entidades de direitos humanos criticaram a sentença do juiz Flavio Itabaiana, que condenou 23 participantes de protestos entre 2013 e 2014, no Rio de Janeiro. O entendimento é que a decisão divulgada nesta terça-feira (17/7) restringe o direito de protesto, além de não apontar provas por atos supostamente praticados pelos réus. As penas vão de 5 a 7 anos de prisão, em sua maioria por formação de quadrilha e corrupção de menores.

Diante da notícia, nesta quarta-feira (18/7), os 23 se reuniram para traçar estratégias de uma campanha de repúdio à condenação. Na ocasião, foi definido o relançamento da campanha “Não é só pelos 23, é por todos que lutam”, prevista para a próxima terça-feira, em local a ser definido no Rio. O grupo acredita que a sentença abre um precedente que poderá permitir que muitas outras pessoas sejam condenadas e que há risco de que uma “caça às bruxas” entre em curso em plena intervenção federal.

Um dos responsáveis pela defesa de Caio Silva de Souza, condenado a cumprir 7 anos de prisão em regime fechado, o advogado Antonio Pedro Melchior recebeu com surpresa a decisão. Segundo ele, o MP (Ministério Público) pediu a “absolvição por ausência absoluta de provas” quanto a ligação de Caio com os demais denunciados. Para ele, Itabaiana “converteu nada em uma condenação”. Ao lado de Fábio Raposo, também condenado, Caio em liberdade pelo homicídio culposo do cinegrafista Santiago Andrade, morto em 2014 depois de ser atingido por um rojão.

“Nenhum acusado disse conhecê-lo, tampouco as testemunhas. A sentença não cita nada, em termos de depoimento, e não diz nada a respeito desta inserção em alguma organização. Na sentença condenatória, o juiz não cita testemunha, nem depoimento. Só faz referência a declarações do próprio réu”, sustenta Melchior.

O sentimento de estranhamento citado pelo advogado quanto a condenação é visto como ‘natural’ por quem acompanhava o desenrolar do processo. A decisão é definida como temerária por entidades de direitos humanos e garantia de direitos, entre eles o de manifestação. Para Mariana Rielli, advogada da Artigo 19, uma série de arbitrariedades foram feitas até chegar à condenação.

“Não há evidências que caracterizam os crimes que os 23 foram acusados e condenados. Desde 2014, na detenção por 5 dias, e o seu desenrolar, acompanhamos com muita preocupação. Este é um exemplo emblemático do processo de criminalização do direito de se manifestar”, analisa, comparando com o caso de jovens presos em SP, em que o espião do Exército de codinome Balta, o agora major Willian Pina Botelho, se infiltrou no grupo de manifestantes e foi responsável pela detenção deles antes mesmo que o protesto começasse, no dia 4 de setembro de 2014.

“É semelhante à prisão de 18 manifestantes no CCSP (Centro Cultural São Paulo) e pelos mesmos crimes: associação criminosa e corrupção de melhores. Há similaridade pois em ambos se tenta criar um link entre as pessoas com bases frágeis. Têm pessoas que nem sequer se conheciam, se conheceram na cadeia. A tentativa é de demonstrar um link pela participação política”, continua.

Outra entidade internacional de direitos humanos, a Justiça Global avaliou a condenação como “um triste capítulo de criminalização dos movimentos sociais e da luta popular”. “A condenação insere-se em um contexto de recrudescimento da repressão a ativistas e manifestações populares, a partir de junho de 2013. Nas páginas do processo judicial, a ponta da caneta que decide reencontra a ponta da arma que dispara contra a justa indignação popular”, critica o grupo.

O grupo de 23 manifestantes recebeu penas entre 5 e 7 anos por formação de quadrilha, dano qualificado, lesão corporal e corrupção de menores durante atos realizados em 2013 e 2014. A decisão, em primeira instância, dá possibilidade deles recorrerem e responderem em liberdade.

Na decisão, o juiz Flavio Itabaiana citou que um dos atos era “inacreditável” pois o “o então governador e sua família terem ficado com o direito de ir e vir restringido”, em referência à Sérgio Cabral e os atos Ocupa Cabral. Em 2017, o ex-governador do RJ foi condenado por corrupção passiva, recebimento de vantagem indevida e lavagem de dinheiro em uma ação da Operação Lava Jato. A pena de 14 anos e 2 meses de prisão foi somada a um total de quase 100 anos de prisão em outros processos. Sérgio Cabral está atualmente preso.

Os outros condenados são: Luiz Carlos Rendeiro Júnior, Karlayne Moraes da Silva Pinheiro, Igor Mendes da Silva, Camila Aparecida Rodrigues Jordan, Igor Pereira D’Icarahy, Leonardo Fortini Baroni, Emerson Raphael Oliveira da Fonseca, Rafael Rêgo Barros Caruso, Filipe Proença de Carvalho Moraes, Pedro Guilherme Mascarenhas Freire, Felipe Frieb de Carvalho, Pedro Brandão Maia, Bruno de Sousa Vieira Machado, André de Castro Sanchez Basseres, Joseane Maria Araújo de Freitas, Rebeca Martins de Souza – todos esses a 7 anos de prisão – e Gabriel das Silva Marinho, Drean Moraes de Moura e Shirlene Feitoza da Fonseca, condenados a 5 anos e 10 meses de prisão.