“Estão nos matando”, um pedido de socorro que vem da Colômbia

Na noite da última sexta feira (6), centenas de milhares de velas foram acesas em diversas cidades da Colômbia a fim de iluminar a cena de um crime que precisa ser vista pelo mundo inteiro.

Por Aldo Jofré Osorio*

Manifestação na Colômbia - Tomás Mantilla

Quem foi a vítima? Quem é o assassino? Quem sāo seus cúmplices? Há testemunhas? Há alguma pista a ser seguida neste caso policial?

A primeira pista está nas timelines de milhões de colombianos, numa hashtag que tem sido cada vez mais recorrente: #NosEstanMatando (estão nos matando). Deve ser o grito de ajuda mais forte que alguém pode dar. Mas, mesmo assim, para as autoridades do país sul-americano e para a grande mídia nacional e internacional, todo esse barulho passou despercebido.

Os testemunhos coletados na cena do crime dão conta de um extermínio: 34 líderes sociais assassinados desde primeiro de junho deste ano. Esses números chegam a 178, se somarmos os mortos desde a assinatura do Acordo de Paz, em novembro de 2016. E, se vamos um pouco mais atrás, desde janeiro de 2016, são 311 – com o medo razoável de que, quando você estiver lendo este texto, a cifra tenha aumentado.

Surdos, cegos e cúmplices

A mídia se declara inocente, dizendo que cumpriu seu papel. Doou custosos minutos de televisão e páginas impressas informando sobre mortos espalhados pelo país sem citar nomes, apenas informando que eram indígenas, afros, camponeses… a única relação entre todos eles é que eram pobres.

A mídia os rotulou de “lideres sociais”, combinaçāo de duas palavras vistas pelo colombiano médio como distantes, numa sociedade desconfiada e muito individualista.

As autoridades, por outro lado, negaram-se a ver uma relação entre as vítimas. Atribuem as mortes a casos de homicídios passionais ou, segundo as últimas declarações, sugerindo que foram “produto de brigas entre narcotraficantes”, o que nāo faz sentido, uma vez que o narcotráfico é um negócio muito lucrativo e todas as vítimas são pobres.

Outras vozes

O ex-prefeito de Bogotá e segundo colocado na eleiçāo presidencial passada, Gustavo Petro, chamou atençāo para a necessidade de dar proteçāo a quem exerce lideranças em prol do Acordo de Paz nas localidades rurais do país. Ele acredita que esses assassinatos são uma grave ameaça à democracia na Colômbia.

A eleiçāo presidencial passada, além de ter trazido de volta ao poder o Uribismo (direita ultraconservadora na qual a elite tradicional está muito bem representada e que fez coalizão com a totalidade dos partidos tradicionais da Colômbia), trouxe um panorama novo no cenário político desse pais.

Com os 8 milhōes de votos (40%) obtidos por Petro, a esquerda deixou de ser uma opção simbólica e passou a ser uma alternativa real de governo. Pela primeira vez, a elite que sempre deteve o poder vê ameçada sua hegemonia numa eleiçāo presidencial. Os colombianos perderam o medo de votar na esquerda e aqueles que advogam em nome dos intereses do povo chegaram próximo de tomar o poder.

A conservadora elite colombiana

O que a elite colombiana tem a dizer? Ela soube se unir em prol da defesa dos seus privilégios, misturou seu DNA à campanha do entāo candidato Iván Duque, uribista eleito, que assumirá a presidencia no próximo mês de agosto. Os interesses dessa elite foram cativados por promessas de campanha do tipo “impedir que a Colômbia vire Venezuela” e de acabar com as Farc e levar o Acordo de Paz junto.

O ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, mesmo com graves acusações de ligação com o paramilitarismo e violações aos direitos humanos durante seus governos (2002-2006, 2006-2010), foi o maior responsável pela vitoria do “No” no plebiscito de outubro de 2016, fato que deixou à beira do fracasso o proceso de paz no país sulamericano. Para o político e seu setor, o Acordo de Paz não é outra coisa senāo uma grande armadilha para levar as FARC-EP ao poder e implementar uma ditadura “Castro-Chavista”, oferecendo total impunidade aos lideres da ex-guerrilha.

O Acordo de paz e os “líderes sociais”

Por conta do conflito armado, milhões de colombianos tiveram que abandonar seus lares para não serem vítimas do fogo cruzado entre o exército, as Farc-EP e grupos paramilitares, deixando grandes extensões de terra fora do controle do Estado.


Foto: Gabriel Pérez
 

O Acordo de Paz toma conta dessa situação prevendo a restituição de milhares de ectares a seus donos originais e o registro de posse de terras em nome de organizações campesinas, indígenas e quilombolas, o que pressupõe uma grande reforma agrária. Isso em um país no qual as principais fontes de renda vêm da terra: mineração e agronegócio nas suas versões mais lucrativas, mineração ilegal e narcotráfico. Ou seja, o Acordo de Paz mexe diretamente com os privilégios da elite.

Assim, aqui está o que torna alvos os chamados “lideres sociais”, que sāo na verdade defensores do Acordo de Paz nos territorios nos quais se materializa essa reforma agrária. A relaçāo desses grupos com a terra os sentenciou à morte. A elite não vê seu poder ameaçado ao dividir a mesa com outros jogadores, desde que estejam dentro do mesmo jogo, como seria o caso se a terra fosse entregue à mineração ou aonarcotráfico.

Mas a relaçāo de identidade desses grupos com a terra se trata de um “jogo” muito diferente. Do cuidado e proteção da mesma depende a sobrevivência desses grupos – é improvável ver um indígena infectando de agrotóxicos ou mercúrio o lugar no qual ele pratica rituais. O agronegócio, a mineração e o monocultivo da coca vão na contramão desses interesses.

E as Farc?

O Acordo de Paz, quebrando a unipolaridade das disputas eleitorais realizadas até entāo, eleva o patamar da democracia colombiana. Além de ser o responsável pelo país ter perdido o medo de votar por uma alternativa de esquerda, traz outras mudanças importantes.

Dentro do Acordo de Paz está prevista a possibilidade da ex-guerrilha concorrer às eleições amparada na institucionalidade, como partido político, e a criaçāo de um tribunal especial de justiça, que jugará os crimes de lesa-humanidade de todas as partes, sob a ótica de proteçāo da paz.

Os escassos 85.000 votos (menos do 1%) que obtiveram as Farc-EP como partido político legal, na eleição para o Congresso em março deste ano, mostram não só o grande equívoco do ex-presidente Uribe em relaçāo à ameaça da Colômboia virar um país “Castro-Chavista”como também que a paz é muito mais econômica e viável para derrotar o partido dos ex-guerrilheiros.

Chegamos em um ponto no qual poderíamos resolver este caso. Os constantes ataques voltados às Farc durante o processo de paz colombiana não são outra coisa, mas uma desesperada tentativa da elite de fazê-los voltar às armas, para que, assim, ambos sobrevivam a uma morte anunciada na disputa eleitoral.

A elite colombiana, para continuar agindo com impunidade (311 líderes sociais mortos e contando), necessita da existência do seu bicho-papāo Castro-Chavista para aterrorizar a populaçāo. Por trás da promessa de morte que fez às Farc, na verdade há um sentimento de amor que se encaixa perfeitamente na frase clichê de novela da tarde: “Sem você, não posso viver”.