Financiamento obrigatório de candidatas femininas

A sub-representação feminina nos parlamentos brasileiros e no mundo é histórica. O direito de votar e ser votada para as mulheres passou a ser parte das agendas políticas no final do século XIX em razão do movimento feminista e da luta emancipacionista. O primeiro país a permitir o voto das mulheres foi a Nova Zelândia em 1893. No Brasil, a primeira vitória se deu apenas em 1932 com a conquista deste direito, incluído posteriormente na Constituição de 1934.

Financiamento obrigatório de candidatas femininas - Fernando Frazão/Agência Brasil

De lá para cá esta realidade muito foi alterada, mas os desafios ainda permanecem. No levantamento feito pela União Inter Parlamentar , somente 49% dos 193 países listados têm mais de 30% de mulheres em suas Câmaras dos Deputados (ou espaço similar). O Brasil está na 154ª posição e podemos dizer que esse atraso é fruto de uma tradição política marcada pelo elitismo e pela apropriação privada da coisa pública.

Depois do direito ao voto, apenas em 1995 foi aprovada uma lei que buscava construir medidas para incentivo à participação feminina na política. A Lei nº 9.100 estabeleceu normas para as eleições municipais de 3 de outubro de 1996, com a regra para o estabelecimento de 20%, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação para candidaturas de mulheres (§3º do Art. 11).

Em 1997 foi promulgada a Lei nº 9.504, que trazia regras para todas as eleições, sendo a reserva de 30%, para cada sexo, incluída no §3º do Artigo 10. No entanto, não era obrigatório seu preenchimento – bastava a reserva . A obrigatoriedade do preenchimento somente passou a existir com a reforma eleitoral de 2009, que substituiu a expressão “deverá reservar” por “preencherá” (Lei nº 12.034/2009).

Esta reforma política, já realizada com participação ativa da bancada feminina incorporou mais uma conquista. Com o apoio do relator, então Deputado Flávio Dino, o texto aprovado determinou a aplicação de, no mínimo, 5% do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres .

A regra foi ajustada na Reforma Política de 2015 (Lei nº 13.165), indicando a criação de uma secretaria da mulher nos partidos políticos e, na inexistência, que este recurso fosse gerido pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política. Apesar dessas conquistas legais, poucos partidos aplicam os recursos tendo como base um planejamento feito pelas suas militantes.

Na Lei nº 13.165/2015 consta a regra de reserva de, no mínimo 5% e no máximo 15% do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, podendo ser incluídos nesse valor os recursos destinados à criação e à manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Mesmo com estas medidas, a realidade da representação de mulheres no parlamento brasileiro não se alterou de forma significativa. Tabulação feita pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados apresenta que, nas eleições de 1994, 6,24% das cadeiras de deputados federais foram preenchidas por mulheres (32 parlamentares). Em 2014 foram eleitas 51 deputadas federais, chegando a apenas 9,94% de ocupação das cadeiras.

Num quadro de intensa mobilização social das mulheres, em março deste ano houve nova vitória para a participação política das mulheres, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5617 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

A decisão declarou inconstitucional o limite máximo de 15% dos valores que seriam utilizados do Fundo Partidário para campanhas das mulheres, aumentando o percentual para, no mínimo, 30%, variável de acordo como a quantidade de candidatas que disputarão o pleito.

Assim, permanece o percentual de 5% do Fundo Partidário ao ano para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Ou seja, o STF, além de garantir melhor equilíbrio na repartição de recursos eleitorais, ainda manteve os valores necessários para potencializar a participação feminina e criar condições objetivas para que as lideranças mulheres sejam promovidas e incorporadas nas estruturas partidárias.

Após a decisão na ADI 5617, a Bancada Feminina formulou consulta ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE sobre a destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha- FEFC. Foi objeto de questionamento se os recursos do Fundo a serem aplicados nas candidaturas femininas devem se equiparar ao patamar mínimo de 30% previsto na política de cotas de candidaturas e se um percentual superior faria jus a tempo proporcional de propaganda eleitoral nas campanhas gratuitas veiculadas em rádio e TV.

A Ministra Rosa Weber respondeu de forma afirmativa as perguntasformuladas, e foi acompanhada pelos demais Ministros na sessão do dia 22 de maio que contou com uma expressiva presença de deputadas e senadoras.

É preciso, no entanto entender que a implementação da conquista legal dependerá de forte mobilização da militância feminina dos partidos políticos. Os critérios para uso do financiamento eleitoral, segundo o Tribunal Superior Eleitoral serão definidos pelas executivas partidárias.

Caberá às secretarias de mulheres construirem, com essas direções, um planejamento da aplicação dos recursos que alcance candidaturas proporcionais (para deputadas) e majoritárias (para a presidência, governo e senado). Não havendo candidaturas majoritárias, todo o recurso deve ser direcionado para as candidaturas proporcionais.

Agora o momento é de efetivar esta conquista. As eleições de 2018 serão uma janela de oportunidade para ampliação da representação feminina no parlamento e na governança pública. A bandeira Por Mais Mulheres no Poder deve se tornar um compromisso daquelas pessoas que buscam um país mais democrático.

05 de julho de 2018