Comandante do Exército define regime militar como "fato lamentável"

O comandante do Exército brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas, afirmou nesta quinta-feira (5) que não existe a possibilidade de uma intervenção militar nos mesmos moldes do período da ditadura militar, entre 1964 e 1985. No entanto, não descartou a possibilidade intervenção, que segundo ele só aconteceria para garantir o respeito à Constituição e manter a democracia.

Villas Bôas - Agência Senado - Agência Senado

O discurso de Villas Bôas usa o mesmo argumento que os militares utilizaram para justificar o regime militar iniciado com o golpe de 1964. O general disse que há uma identificação na população com os valores das Forças Armadas e uma ânsia pelo reestabelecimento da ordem.

"Eu nem vejo um caráter ideológico nisso. Mas, de qualquer forma, as Forças Armadas, e o Exército, pelo qual eu respondo, se, eventualmente, tiverem de intervir, será para fazer cumprir a Constituição, manter a democracia e proteger as instituições", afirmou o chefe das Forças Armadas, enfatizando que "sempre o Exército atuará sob a determinação de um dos Poderes da República, como aconteceu agora, por exemplo, nessa greve dos caminhoneiros".

Para Villas Bôas, o Brasil está na "iminência de algo muito grave acontecer, que é a perda da nossa identidade". As declarações do general foram feitas durante ato realizado no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, em homenagem a um soldado morto em 1968, no regime militar. Um dia após a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenar o governo brasileiro pela tortura e morte do jornalista Vladmir Herzog.

A homenagem ocorreu em memória ao soldado Mário Kozel Filho, morto há exatos 50 anos após uma ação da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). No discurso, Villas Bôas disse que o "evento significa a celebração de valores e deve motivar nosso pensamento, nossa análise, para que fatos como esse não venham se repetir no futuro".

Em seguida ele leu um comunicado publicado no site do Exército em que classifica a ação da VPR em plena repressão do regime militar como "terrorismo" e diz que a morte do soldado ocorreu em "um período de entusiasmos artificializados, de intolerâncias incitadas e de paixões extremadas que faziam os brasileiros míopes para a realidade civilizada".

"Aquele incidente com o soldado Kozel, vítima inocente do terrorismo, nos obriga a exercitar o maior ativo humano – a capacidade de aprender. Agora é um momento que nos aconselha, aos brasileiros e às instituições, a prudência nos ânimos", disse.

No mesmo tom, o general Luiz Eduardo Baptista Ramos Pereira afirmou que "não existe separação entre civis e militares" e que a sociedade brasileira, "em um grito unido, disse: 'não aos atos terroristas e à minoria inconformada".

A ação citada como "terrorismo", na visão unilateral do general, foi feita pela VPR que admitiu ter lançado um carro com bombas em direção do QG do Exército, mas disse que acredita que o sentinela iria abandonar o posto ao verificar que o veículo estava sem motorista. A própria VPR considerou o ato um erro ter respondido ao comandante do II Exército que, pela imprensa, desafiou os "terroristas" a virem enfrentá-lo "como homens" no seu quartel.

Após o ato, dez pessoas consideradas suspeitas foram detidas, entre eles, Eduardo Leite, conhecido como Bacuri, que foi morto na prisão em 1970, em São Paulo. Um outro "suspeito", o ex-sargento Onofre Pinto, foi morto em uma ação do Centro de Informações do Exército, em Foz de Iguaçu (PR).

Sobre a condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo assassinato de Herzog pelos militares, Villas Bôas se limitou a afirmar que "naquela época, a sociedade brasileira cometeu o erro de permitir que a linha de confrontação da guerra fria dividisse a nossa sociedade, o que acabou criando ambientes para que fatos lamentáveis, como a morte de Kozel e Herzog, tivessem ocorrido".

Longe de um simples "fato lamentável", o período era marcado por perseguição, torturas e assassinatos perpetrada pelo Estado atingindo dirigentes e militantes de organizações políticas, assim como trabalhadores, estudantes, mulheres e até crianças.