Kroton: A alta do inimigo da educação

“Em termos de educação pública nunca experimentamos um inimigo com uma força social tão concentrada como esse.” A frase, que se refere à Kroton Educacional S.A., foi publicada em 30 de abril deste ano, depois de ser dita, em entrevista à revista on-line do Instituto Humanitas Unisinos, pelo pesquisador Allan Kenji, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, que estuda a atuação dos grupos empresariais na educação e sua vinculação com o capital financeiro.

kroton - Reprodução

Foi também repetida pela coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, no debate organizado pela Confederação, com participação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), sobre o avanço da financeirização da educação e a privatização do sistema público de educação, no fim de maio, durante a Conferência Nacional Popular de Educação (Conape). Não é para menos. Pouco mais de um mês após a realização da Conape, o destaque do noticiário econômico da tarde de ontem (3) foi a disparada da Kroton na bolsa de valores, cujas ações chegaram a ter alta de 10%.

Segundo o site Infomoney, a alta no índice se deve ao anúncio, feito pelo Ministério da Educação, de que 50 mil novas vagas no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) serão oferecidas no segundo semestre, o que analistas do mercado financeiro disseram “ajudar as empresas a garantir um melhor ciclo de captação”. Tanto é assim que os papéis da Estácio também tiveram alta de 5%. Há duas questões graves nessa notícia, sobre as quais a Contee vem alertando sistematicamente ao longo dos últimos anos. A primeira é a comprovação de que o comércio educativo é um negócio lucrativo, o que explica a sanha privatista contra a educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. A segunda é a continuidade do escoamento de recursos públicos para os bolsos do capital privado, contribuindo diretamente para o acirramento do processo de mercantilização e financeirização do ensino.

“Ao invés de fortalecermos o ensino superior dentro do sistema público de ensino, o próprio sistema público de ensino corre o risco de ser todo privatizado, não por empresários nacionais, mas por grupos transnacionais de capital aberto que dominarão o sistema educacional público e privado e colocarão a educação como uma mercadoria no comércio mundial, tirando qualquer possibilidade de que ela exerça o seu papel estratégico no desenvolvimento soberano dos nossos países”, alertou, no mês passado, a coordenadora-geral em exercício da Contee, Madalena Guasco Peixoto, durante a Conferência Regional de Educação Superior (Cres 2018), em Córdoba, na Argentina.

A situação se torna ainda mais alarmante diante da realidade de que a Kroton não domina mais apenas o “mercado” do ensino superior. Em abril, pouco antes da entrevista de Allan Kenji, a companhia assumiu o controle da Somos Educação, dona do sistema de ensino Anglo e de editoras como a Ática e Scipione, grandes produtoras de material didático. Segundo a empresa, com a aquisição da Somos, a parcela de sua receita vinda do ensino básico deve aumentar de 3% para 28%.

Essa guinada em direção à educação básica encontra amparo nas medidas do governo ilegítimo de Michel Temer. Um exemplo claro está num dos motivos apontados pelo sociólogo Cesar Callegari para justificar sua recente saída da presidência da Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação (CNE): a abertura do ensino médio para a educação a distância (EaD). Embora a crítica de Callegari se dirija à desintegração do território escolar de, nas suas palavras, “encontros, afetos e descobertas”, a Contee já havia ressaltado que a EaD é outra das portas abertas — além dos materiais didáticos e apostilados — à privatização da educação básica pública.