Ação do PCdoB no STF suspende Escola Sem Partido em Foz do Iguaçu

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar para interromper dispositivo da Lei Orgânica do Município de Foz do Iguaçu (PR) que impede, na rede municipal de ensino, a veiculação de conteúdo conexo à ideologia de gênero ou à orientação sexual e mesmo o emprego do termo “gênero”.

Por Iberê Lopes*

Ação do PCdoB suspende Escola Sem Partido em Foz do Iguaçu - "Escola sem partido", por Jota Camelo

A decisão, a ser referendada pelo plenário da Corte, se deu na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 526. Ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a ação questiona o parágrafo 5º do artigo 162 da Lei Orgânica municipal, incluído pela Emenda 47/2018.

O partido aponta violação de diversos preceitos constitucionais, como o princípio da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I), o direito à igualdade (artigo 5º, caput), a vedação à censura em atividades culturais (artigo 5º, inciso IX) e a laicidade do Estado (artigo 19, inciso I).

Em análise preliminar da ADPF, o ministro Dias Toffoli reforçou que a Constituição atribui à União a aplicação de normas gerais do sistema educacional brasileiro.

Toffoli afirmou ser um equívoco que um município queira legislar sobre conteúdo curricular e definir o método pedagógico das escolas. “Temas sobre educação são cabidos à União a edição de normas gerais que estruturarão o sistema nacional de educação e orientarão as demais esferas federativas na implementação dos objetivos e valores traçados pelo constituinte”, declarou.

O PCdoB argumenta que a lei de Foz do Iguaçu usurpa a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, inciso XXIV) e investe contra o pluralismo de concepções próprias da pedagogia. Além disso, a legenda salienta que o projeto fere o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (artigo 206, incisos I e II).

“O meio utilizado pela lei impugnada, ou seja, limitação à liberdade de ensino, não é adequado para o fim a que a norma se propõe, porquanto a proteção constitucional à livre consciência é incompatível com quaisquer formas de censura estatal prévia”, destacou a sigla.

Para Andrey Lemos, presidente da União Nacional LGTB, a decisão do ministro Dias Toffoli de acolher a ADPF do PCdoB, reconhecendo que compete a União algumas matérias sobre diretrizes da educação “renova a esperança” no Estado Democrático de Direito. “Se a educação não colaborar com o enfrentamento a discriminação, estaremos contribuindo para o aprofundamento das disparidades. Nós queremos um país de paz e de igualdade de oportunidades”, afirmou.

Lemos acrescentou que o tema ainda precisa ser melhor compreendido pela sociedade brasileira para que a resistência dos movimentos sociais pela manutenção das liberdades coletivas e individuais seja mantida. “Não estamos falando apenas de letras, ou de ideologias, estamos falando de vidas, estamos falando de promover uma educação que valorize o respeito e a diversidade humana”.

Ao analisar as condições para conceder a liminar, Toffoli assinalou que a eliminação de conteúdo curricular “é medida grave que atinge diretamente o cotidiano dos alunos e professores na rede municipal de ensino com consequências evidentemente danosas, ante a submissão em tenra idade a proibições que suprimem parte indispensável de seu direito ao saber”.

A norma do município de Foz do Iguaçu segue uma série de iniciativas legislativas idênticas pelo país, algumas delas também opostas à abordagem sobre política no ambiente escolar.

De acordo com a mestranda em Letras da Universidade Federal de Viçosa, Marianna Ribeiro, a ausência de debate político na escola é uma afronta a toda luta por uma “educação emancipadora” que os professores e professoras buscam.

Marianna, que é membro do grupo de pesquisa “Estudos sobre o corpo, identidades e gênero em análise de discurso crítico” da UFV, enfatiza que proibir os alunos de apresentar suas percepções sobre o que acontece no mundo “é desigual, é uma involução. É ter uma escola opressora, uma escola que prende crianças e seus pensamentos”.

Ideologia de gênero?

Sobre o termo utilizado pelos defensores do projeto Escola Sem Partido, Marianna Ribeiro é categórica. “Ideologia de gênero é um termo que não existe. O que existe é uma formulação acerca da performatividade de gênero. Isso quer dizer que os corpos, produtores de discursos performatizam gêneros e que este não é binário (homem x mulher)”.

Para ela o papel dos educadores é fazer o debate sobre sexualidade e gênero para que a criança ou o adolescente compreendam “que um corpo que nasceu menino, por exemplo, mas performatiza o gênero feminino, não é um corpo abjeto, estranho”.

“A escola deve ser o espaço em que o respeito a todas às identidades, sejam elas de gênero ou não, se faça valer. É apenas respeito e reconhecimento da existência dessas pessoas que não se identificam com o corpo biológico”, conclui a mestranda.

Decisões anteriores

A Procuradoria-Geral da República ajuizou pelo menos cinco ações contra outras leis municipais que proíbem políticas de ensino sobre diversidade de gênero e orientação sexual (ADPFs 460, 462, 465, 466 e 467).

No ano passado, o ministro Luís Roberto Barroso também suspendeu lei da cidade de Paranaguá (PR) que proíbe o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas.