Lava Jato e ajuste fiscal contra o Brasil

Aplaudidos por seu empenho em combater a corrupção, os rapazes de Curitiba entraram de sola nas empresas brasileiras que mantinham contratos com a Petrobras, com as demais empresas públicas e instâncias do governo, desde o âmbito federal até a esfera municipal.

Por Luiz Gonzaga Belluzzo*


Odebrecht - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

No auge da crise de 2008-2009, os “especialistas” da Goldman Sachs rechearam os bolsos apostando na desvalorização de seus próprios papéis, carimbados com grau de investimento pelos serviçais das agências de classificação de risco.

Na era dos mandos e desmandos da finança, o Departamento de Justiça foi “leniente”: cobrou 1,4 bilhão de dólares pelas avaliações, digamos, precipitadas. A Securities and Exchange Commission sapecou uma multa de 77 milhões à Standard & Poors, penalidade acompanhada da proibição imposta à agência de avaliar por um ano “securities” lastreadas em empréstimos imobiliários.

No capitalismo real, a concorrência entre as grandes empresas e as trapaças ideológicas dos mercados financeiros não só arrastam o Estado para a arena dos negócios como também atraem a rivalidade privada para o interior das burocracias públicas com propósito de cooptar cumplicidade, influenciar as formas de regulação e capturar recursos fiscais.

É falsa a afirmação: “As grandes construtoras e operadoras nos projetos de infraestrutura organizam cartéis para vencer as concorrências”. A afirmação é falsa por duas razões:

1. Os projetos de infraestrutura em todo o planeta são operados por grandes empresas por conta da existência de economias de escala na construção e na operação.

2. Assim, essas empresas não organizam cartéis, elas são um cartel. Basta passar os olhos nas estruturas de mercado em todos os setores da economia global para perceber que os acordos são constitutivos da concorrência “cartelizada” entre as megaempresas.

Na passagem de 2014 para 2015, a economia brasileira resfolegava na desaceleração do exuberante ciclo de crescimento global, episódio que a bafejou com os generosos preços das commodities e as demandas de produtos industriais dos países da América Latina.

Os sabichões dos mercados recomendaram um tratamento de choque para ajustar o desequilíbrio fiscal que acompanhou a desaceleração. Em vez de aliviar seus incômodos, os encarregados de “botar ordem na casa” lhe desferiram um choque de juros e cortes desordenados dos gastos de investimento. Isso tudo com o propósito de restaurar a confiança de empresários sem demanda e consumidores sem renda.

Aplaudidos por seu empenho em combater a corrupção, os rapazes de Curitiba entraram de sola nas empresas brasileiras que mantinham contratos com a Petrobras, com as demais empresas públicas e instâncias do governo, desde o âmbito federal até a esfera municipal.

No desenvolvimento das apurações da Lava Jato, os procuradores e juízes não cuidaram de separar a punição das pessoas físicas dos efeitos nefastos derramados sobre as empresas. Não seria excessivo repetir que, nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Commission aplicaram multas, mas preservaram as empresas.

No Brasil, os agentes da lei encarregados de vigiar e punir infligiram graves danos aos funcionários e colocaram em risco o cabedal técnico acumulado ao longo dos anos pelas empresas.

O jurista Walfrido Warde, especialista em Direito Societário, sintetiza com precisão os efeitos danosos da Lava Jato para a economia brasileira:

“Por isso, em casos de corrupção sistêmica, como os descobertos pela Lava Jato, o seu combate deve usar técnicas capazes de evitar uma grave deterioração dos ambientes econômico, social, político e jurídico.

“A maior parte das empresas alcançadas pela ‘Lava Jato’ era de donas de usinas de geração de energia, de estaleiros, de estradas, de aeroportos e de outros empreendimentos de infraestrutura. Compunham uma indústria que representava a espinha dorsal da economia brasileira."

"A sua desgraça causou a paralisia de obras, o impasse sobre o destino de projetos de infraestrutura centrais para o Brasil e, o que é pior, a depreciação de tantos outros cuja venda – em meio a problemas policiais e judiciais – é, ainda que difícil e arriscada, essencial para a sobrevivência dessas empresas."

O juiz Sergio Moro, por exemplo, não tem consciência das consequências da destruição das empresas para os brasileiros que dependiam de seu trabalho para sobreviver. Isso é a marca registrada da sociedade em que vivemos.

Tanto Moro quanto os que deflagraram o ajuste fiscal não têm consciência das consequências de seus atos e decisões. Há estudos muito aprofundados sobre o caráter performático da informação econômica e jurídica.

No livro And – Phenomenology of the End, o filósofo italiano Franco ‘Bifo’ Berardi descreve a “automação psíquica que contamina os indivíduos na sociedade contemporânea. A sociedade de massa envolve os indivíduos nas cadeias automáticas do comportamento, manipuladas por dispositivos técnico-linguísticos."

"A automação do comportamento de muitos indivíduos afetados e concatenados por interfaces técnico-linguísticas resulta nos efeitos manada. O homem é um animal que molda um ambiente que, por sua vez, molda seu próprio cérebro. O efeito manada é, portanto, o resultado da transformação humana do ambiente tecnológico, o que conduz à automação dos processos mentais."

Na “automação psíquica” os processos conscientes são substituídos por reações imediatas, simplificadoras e simplistas, quase sempre grosseiras, corpóreas. Nesses soluços de presunção, a consciência inteligente, o pensamento e os próprios sentimentos desempenham um papel modesto.

Convencidos da universalidade do seu particularismo, os indivíduos mutilados executam os processos descritos por Franz Neumann em Behemoth, seu livro clássico sobre o nazismo: “Aquilo contra o que os indivíduos nada podem e que os nega é aquilo em que se convertem”.

O que aparece sob a forma farsista de um conflito entre o bem e o mal está objetivado em estruturas que enclausuram e deformam as subjetividades exaltadas. A indignação individualista e os arroubos moralistas são expressões da impotência que, não raro, se metamorfoseia em desvario autoritário.