Quais as consequências do dólar disparado na Argentina?

Para os que afirmam que o principal limite ao crescimento e a geração de emprego da economia argentina é a restrição externa – ou seja, a falta de divisas –, observar os signos e o volume do saldo da conta corrente se torna prioridade. Sua relevância é superior a qualquer outro indicador analisado pelos economistas convencionais, que têm no déficit fiscal primário, na inflação e na “falta de confiança” os sinais amarelos para antecipar uma crise.

Por Alejandro Robba e Nicolás Hernán Zeolla

Dólar x peso argentino - Divulgação

Ao longo dos últimos 40 anos, a relação entre o resultado da conta corrente e o produto interno bruto (PIB) só trouxe resultado positivo algumas vezes: em 1978, em 1990 e no período entre 2002 e 2009. Que o indicador seja positivo não significa que a economia esteja firme, reluzente e com um futuro promissor, já que o ajuste da conta corrente costuma se dar pela via de uma grande desvalorização e posterior recessão. Foi assim em 2002, o ponto máximo da série, quando o nível de atividade despencava. O mesmo aconteceu em 1978 e 1990: superávit de conta corrente e forte recessão. Porém, o período mais extenso com indicadores positivos foi o de 2002-2009. A profundidade da crise de 2001 – junto com o ciclo das matérias primas e o default da dívida – deu como resultado uma folga externa tal que passariam 7 anos até retornar à “normalidade” de uma conta corrente deficitária.

A história recente indica é que os níveis negativos elevados do quociente conta corrente/PIB são o prenúncio de uma crise econômica potencial, e para desinflar essa bolha externa se apelou a fortes processos depressivos onde o nível de atividade, o emprego e a distribuição de renda foram se deteriorando. Hoje, estamos justamente nesse ponto.

O governo de Macri assumiu com um saldo negativo de 2,9%, e em dois anos quase o duplicou, elevando a 5,3%. Pouco depois de assumir, começou uma política de sedução do capital estrangeiro, que se transformou na causa principal da incerteza financeira e da corrida cambiária. Supondo que a aparição de um governo pró-mercado desencadearia uma chuva de investimentos, o governo liquidou todos os instrumentos de regulação aos movimentos de capitais, e desmantelou a administração comercial.

Com um mercado interno destruído, a possibilidade de ser abastecido sem obstáculos desde o exterior, via importações, os investimentos produtivos nunca chegaram, e as financeiras tomaram a dianteira, criando a ilusão de que seriam o canal para financiar o desenvolvimento econômico e que esse fluxo seria infinito.

A partir de janeiro, o déficit externo começou a preocupar aqueles que ainda insistiam em elogiar o governo argentino, mas que começaram se desfazer dos seus pesos, sem pressa, mas sem pausa. O governo e seus porta-vozes ainda tentam explicar que a corrida se originou pela existência de una economia mundial mais volátil, pelo aumento da taxa de juros internacional e a revalorização do dólar. Com essa visão, as políticas econômicas do governo não teriam nada o que fazer. Mas a Argentina é o único país que entrou nesse círculo extremo de fuga de capitais e altíssima preferência pelo dólar.

A fragilidade tem sido uma conquista macrista e não produto dos movimentos da taxa de juros internacional, desses que estão afetando a próprios e estranhos. Não se deve estigmatizar o ingresso de fundos externos nem como investimentos diretos, nem como dívida pública ou privada, se é que o governo acerta em canalizá-los no crescimento da economia real, único fator que pode ressegurar a possibilidade de conseguir, no médio prazo, um aumento das exportações de bens e serviços necessários para fazer frente às obrigações externas. Por outro lado, o descontrole econômico do governo fez com que os fundos que entraram fossem pela canaleta da fuga de capitais, que o governo não consegue impedir e que está levando o país novamente num cenário onde só uma forte crise fechará a brecha externa, com o já conhecido saldo negativo em termos de emprego, salários e distribuição de renda, o que significará uma pesada herança para o próximo governo, de uma dívida externa impagável.