Clima de disputa no STF cria mácula no Judiciário, diz ex-ministro

Em entrevista à BBC Brasil, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Sydney Sanches, afirmou que durante os 19 anos que atuou na corte, “nunca presenciei nada do que está acontecendo atualmente”. Para ele, o clima de disputa política existente no Supremo cria uma “mácula” na história do Judiciário brasileiro.

Sydney Sanches - Agência Brasil

Ele afirmou que no período em que foi ministro, o que havia eram discussões, às vezes acaloradas, “mas nunca com ofensas pessoais, como agora”. Sydney Sanches presidiu o Supremo em 1992, ano do impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

“Então, esse clima está criando uma situação que eu acho penosa para o Supremo. Na história do Supremo, isso é uma mácula. O Judiciário não existe para isso, existe para decidir quem tem razão e quem não tem”, afirmou.

Ao ser questionado sobre a crítica de juristas sobre a postura do Supremo em se pautar para atender a opinião pública e não se pautar nas questões jurídicas no que se refere à prisão e segunda instância, Sanches afirma que a repercussão seria negativa se o Supremo mudasse a orientação que vinha sustentando até agora e logo em seguida concedesse o habeas corpus a Lula.

Sem entrar no mérito, ele diz que “parecia um casuísmo” se o Supremo mudasse de posição. “Isso que a presidente [Carmen Lúcia] está querendo evitar”, admite ele, reforçando que a preocupação é com a mídia.

Sanches segue afirmando, no entanto, que tal posição da Corte deve mudar “porque o ministro Toffoli assume a presidência (em setembro) e já tem posição bem definida no sentido de que a prisão não pode ocorrer com a condenação em segunda instância”.

“Fica parecendo que é teimosia da presidente, mas eu me coloco no lugar dela e vejo: por que expor a Corte a tudo isso se já tem uma decisão da Corte com eficácia perante todos e tomada há dois anos? Não é uma decisão muito antiga. Se houver algum abuso, alguma injustiça flagrante, cabe liminar para dar efeito suspensivo ao recurso especial ou extraordinário, mas para isso não se precisa alterar a tese do plenário”, defendeu o ex-ministro. No entanto, as motivações para recusa do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula foram as mesmas: a pressão da mídia.

A prisão em segunda instância foi decidida em placar apertado de 6 a 5, em 2016. Um ano depois da decisão, o ministro Gilmar Mendes mudou de posição, abrindo espaço para a pressão por nova discussão do tema, já que os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Melo indicaram manter a posição anterior contra a prisão automática após segunda instância.

O ex-presidente Lula denuncia que a sua condenação e prisão têm como objetivo evitar a sua candidatura. Segundo o próprio Sanches, agora a pressão sobre o Supremo é mesmo por conta das eleições. Mas a tentativa de não demonstrar fragilidade entre os ministros da Corte não tem atingido o efeito esperado. Para Sanches, “a imagem que está ficando é de crise interna”.

“A repercussão é ruim, porque se o Supremo não for confiável, o que vai ser do Judiciário? Historicamente ele sempre foi o baluarte dos direitos. Agora, também é composto por seres humanos, então também entendo a reação daqueles que não se conformam de terem perdido”, disse.