"Calaram meu filho, mas não sua mãe", diz mãe de Marcus Vinícius

A empregada doméstica Bruna Silva, de 36 anos, teve a vida virada do avesso no último dia 20 de junho, quando seu filho mais velho, Marcus Vinícius, de apenas 14 anos, foi assassinado a caminho da escola, no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro.

Bruna exibe uniforme da escola que seu filho usava quando foi assassinato durante ação da polícia no Rio de Janeiro - Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Neste domingo (1º), ela esteve em São Paulo para participar do ato “Pela vida de nossas crianças: basta de prisão e genocídio”, na avenida Paulista, e levou seu protesto às cerca de 300 pessoas que compareceram para compartilhar solidariedade e revolta.

"Eu criei meu filho na comunidade até os 14 anos sem tomar um tiro pelo poder paralelo, aí o Estado, que era para proteger e servir meu filho, o alveja e assassina? Não pode. Chega! Aquela blusa do meu filho é uma vergonha para o Estado e para o Brasil", protesta.

Bruna se refere ao uniforme escolar manchado de sangue que se transformou em evidência material da perversidade do Estado e sua bandeira de luta. "Tu bota seu filho tão bonitinho na escola para o Estado devolver seu filho alvejado e morto e com uma camisa da escola suja de sangue? Isso é um absurdo".

Segundo o advogado da família, João Tancredo, há provas de que não havia conflito entre policiais e traficantes na hora da execução de Marcus. Os tiros teriam vindo dos "blindados", chamados de caveirões, utilizados pela Coordenadoria de Operações Especiais. A família vai entrar com ação indenizatória contra o estado.

Mães em luta

A morte prematura de Marcus comoveu mães de todo o Brasil. O ato organizado em São Paulo, no último domingo, foi iniciativa de um grupo autogerido de mães da escola pública, que desde o ano passado vem construindo manifestações em defesa dos direitos das crianças como prioridade.

Shirlley Lopes, uma das mães organizadoras, conta que o ato foi um protesto contra o genocídio da população negra, pobre e periférica. Ela ressalta que essa luta deve ser absorvida pela sociedade como um todo, e não apenas pelas vítimas diretas da violência do estado.

"É inadmissível que a sociedade assista passivamente esse genocídio escancarado acontecendo e não se manifeste a respeito. Não somente as vítimas devem estar lutando contra a intervenção militar, contra a ação da polícia e do Estado nas periferias, essa é uma pauta da sociedade como um todo. Esse é o nosso objetivo", explica.

Durante o ato, uma manifestante foi presa por desacato. Segundo Shirley, o PM Allan da Silva Araújo mandou um beijo para Stella Avalloni, 34 anos, mãe e que participa com frequência de manifestações sobre o tema. Stella foi liberada no mesmo dia, horas depois.

"A gente sabe que é uma prática usual da polícia usar de provocação para criminalizar manifestações e dissipar atos públicos", lamenta. Mesmo com o tumulto, o ato composto por muitas mães e crianças seguiu seu trajeto até a Praça Roosevelt.

Intervenções

Marcus Vinícius era o filho mais velho de Bruna. Sua irmã, Maria Vitória, de 12 anos, segue sendo aluna da mesma escola no Complexo da Maré. "Nossa vida está sendo difícil porque nossa família era de quatro pessoas e hoje tem apenas três. Eu cuidei tanto dele para quê? Para o Estado entrar e matar?", questionou.

Bruna se refere à presença do Estado sob a figura dos policiais que entram todos os dias na Maré. Marcus Vinícius é mais uma vítima do contexto de guerra que vive o Rio de Janeiro, e que foi agravado pela intervenção federal/militar que teve início em fevereiro deste ano.

"Essa intervenção na nossa comunidade só veio para oprimir, eles oprimem", ressalta.

A Polícia Civil abriu inquérito para apurar as circunstâncias da morte do estudante Marcus Vinicius. Na semana passada, uma testemunha foi ouvida. A intervenção militar no Rio de Janeiro já dura 4 meses.

Dados do Observatório da Intervenção revelam que o número de tiroteios subiu de 2.355 nos quatro meses antes da intervenção, para 3.210 durante a intervenção. As chacinas passaram de 23 para 96. Ao todo já são 516 mortos neste período.

E o custo das operações segue sendo alto: para além das vidas perdidas e sitiadas, o relatório estima que, entre fevereiro e março, cada operação podem ter consumido R$ 1,7 milhão do orçamento público.