Europa e a migração: atritos e campo de refugiados fora do continente

Aconteceu no domingo (24), uma pequena cúpula em Bruxelas entre alguns países europeus para debter a imigração no continente. O encontro foi marcado pelo atrito entre Itália e França, pela ausência de países do leste-europeu e pela dificuldade vivida por Angela Merkel na Alemanha quanto ao tema. Além disso, uma proposta polêmica entrará em debate: a ideia de criar um grande campo de refugiados e imigrantes fora da Europa

Por Alessandra Monterastelli *

Angela Markel - Reuters

O tema das “plataformas de desembarque de migrantes e refugiados” foi tratado por líderes de 16 países da União Europeia no domingo (24) em Bruxelas. A reunião foi uma tentativa de construir consenso para a reunião do Conselho Europeu que se aproxima (dias 28 e 29 de junho). Quatro países se recusaram a participar do “encontro informal”: Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia (todos com governos populistas e nacionalistas).

O encontro foi marcado pelo desconforto que a chanceler alemã Angela Merkel enfrenta em seu país com seu ministro do interior, Horst Seehofer, também presidente do partido que é seu maior aliado, CSU (união social cristã), que quer medidas mais duras contra migrantes sob pena de romper a aliança que sustenta o governo de Merkel. 

Não aconteceram soluções concretas nessa primeira reunião. Angela Merkel afirmou que buscará acordos diretos com países da UE para distribuir o fluxo de chegada de pessoas. O problema entre os líderes da Europa de como lidar com a chegada de imigrantes e refugiados no bloco é um problema que vem se arrastando desde 2015; essa disputa enfraquece a unidade e prejudica a área de livre circulação da UE. 

"Haverá acordos bilaterais e trilaterais. Como podemos ajudar uns aos outros, nem sempre devemos esperar pelos 28 membros, mas pensar no que é importante para quem" afirmou Merkel, segundo a Reuters. 

Na reunião de domingo (24) foram aprovadas apenas algumas medidas, como reduzir a imigração irregular, proteger as fronteiras europeias e uma maior cooperação com os países de origem e de trânsito dos migrantes; não houve avanço para uma solução para aqueles que já chegaram ao continente. 

Enquanto os líderes europeus tentavam se acertar em Bruxelas, 948 imigrantes foram resgatados na costa da Líbia só neste final de semana. Tentavam chegar à Europa atravessando o Mediterrâneo.

Angela Merkel sob pressão interna 

Quinze dias para negociar um acordo com a União Europeia que limite a chegada de imigrantes na Alemanha. Esse foi o prazo dado à primeira-ministra Angela Merkel (CDU) pelo partido conhecido por ser seu aliado, a União Social Cristã (CSU), que ameaça romper a aliança de governo ("Grande Coalizão") composta pelo CDU, CSU e pelos sociais-democratas. 

Com o ultimato, a CSU (partido da Baviera, região mais industrializada do país) tenta proteger Horst Seehofer, ministro do Interior alemão, que se candidatará para as eleições reginais no segundo semestre e teme perder a hegemonia de 61 anos para o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nas eleições de setembro de 2017 conquistou 12% dos votos e ganhou espaço no parlamento- além de causar certo receio entre todos os outros partidos. 

Em 2017 a CSU registrou seu pior resultado em décadas (assim como o Partido Social Democrata- SPD), reunindo 38% dos votos na Baviera, contra 10% da AfD. Na época, sociais-democratas ficaram na dúvida em se juntar à coalizão, uma vez que ao passo que poderiam colocar pautas mais à esquerda no programa de governo, corriam o risco de deixar o papel de oposição para a extrema-direita. 

A tensão surgiu quando, na semana passada, Seehofer propôs a criação de uma aliança junto com os governos da Áustria e da Itália (ambos com governos populistas e de extrema-direita) para deter a imigração, indo contra as propostas de Merkel sobre o tema, que visam a abertura das fronteiras. A ideia é pressionar a primeira-ministra para que adote um "limite máximo" de acolhimento de refugiados, além de entrar em um acordo com a UE para que o fluxo migratório seja redistribuido entre os outros 27 membros do bloco, caso contrário, Seehofer fechará as fronteiras alemãs aos imigrantes, sejam eles requerentes de asilo ou não. Contudo, o SPD se revoltou contra as propostas da CSU, pressionando Merkel a romper com o partido da Baviera, aumentando ainda mais a tensão dentro da coligação. 

Segundo o Estado de São Paulo, analistas políticos alemães argumentam que a estratégia da chanceler de acomodar interesses de diferentes partidos na coalizão pode estar chegando ao seu limite: "para os protagonistas, o que está em jogo é a sua sobrevivência". 

Itália x França, enquanto Espanha e Alemanha respondem

Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, disse que as operações de salvamento no mar não podem obrigar os países a cuidar e acolher os náufragos do Mediterrâneo — que distinguiu entre verdadeiros refugiados e migrantes econômicos, para os quais propõe a fixação de cotas de entrada. “Quem desembarca na Itália desembarca na Europa”, sublinhou Conte, argumentando que seu pais não deve assumir sozinho a responsabilidade pelo processamento dos pedidos de asilo. De fato, a desorganização, não-cooperatividade e falta de um consenso entre os países europeus ajuda a fortalecer a voz dos populistas e da extrema-direita em países como a Itália, que apostam nos discursos xenófobos e imediatistas. 

A Itália exige uma revisão do princípio básico do acordo de Dublin, que é a responsabilidade do país de chegada pelo tratamento e acolhimento de todos os requerentes de asilo. Nesse ponto, Merkel mostrou-se parcialmente compreensiva e solidária. “Os países de entrada não podem ficar sozinhos na resolução do problema. Precisamos decidir quem é que tem essa tarefa. Não devem ser os migrantes e os traficantes a decidir em que país vão apresentar o pedido de asilo”, afirmou, e reiterou: “Não podemos ficar nesta situação em que uns lidam apenas com os movimentos primários e outros apenas com os movimentos secundários. Precisamos de uma solução europeia. Mas enquanto isso não for possível, vamos pelo menos encontrar soluções que possam funcionar entre países”.


Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, e Emmanuel Macron, presidente francês

Para o presidente francês, Emmanuel Macron, a crise dita pela Itália é falsa. “Precisamos ser claros e olhar para os números – a Itália não está passando por uma crise migratória como estava até ao ano passado. Quem diz isso está mentindo”, afirmou. O Presidente francês disse que, pelo contrário, a Itália está passando por uma “crise política” que foi provocada “por extremistas que jogam com o medo”, referindo-se ao novo governo italiano, que é composto pelo partido anti-sistema Movimento 5 Estrelas e pela Liga, de extrema-direita. De fato, o novo governo italiano é abertamente xenófobo aproveitando-se da crise econômica de seu país e do grande fluxo migratório para, através do medo, apresentar seus discursos nacionalistas e imediatistas como solução; contudo, a crise econômica e política na Itália é em grande parte fruto de medidas neoliberais adotadas por governos anteriores pressionados pelo FMI, medidas essas que Macron defende abertamente.

Salvini, agora ministro do Interior, e líder da Liga, respondeu afirmando que Itália recebeu nos últimos quatro anos centenas de milhares de desembarques, “430 mil pedidos de asilo” e que “se para o arrogante presidente Macron isso não é um problema, então nós o convidamos a mostrar generosidade através da abertura dos muitos portos franceses para que deixem de rejeitar mulheres, crianças e homens”, disse, segundo informou o jornal portugues Publico.

A Espanha, agora com um governo socialista e que recentemente abrigou os refugiados do barco Aquarius (ponto de partida para a volta da discussão migratória), afirmou que “há Governos, como o italiano, que possuem o discurso antieuropeu, onde reina o egoísmo nacional”, ainda segundo o Publico.

Campo de refugiados e imigrantes fora da Europa

Vem sendo discutido entre os países da União Europeia, nos últimos dias, a ideia de criar um grande campo de refugiados e imigrantes fora da Europa. O Conselho Europeu, que representa os países membros, incluiu essa proposta como parte da discussão que os chefes de Estado e de Governo manterão na próxima semana em Bruxelas, segundo informou o El País. É a primeira vez que essa controversa iniciativa para afastar os estrangeiros irregulares do bloco comunitário ultrapassa a barreira da mera discussão informal.

Os centros tem sido chamados de “plataformas regionais de desembarque”, onde os migrantes passariam por uma “triagem” para que fossem apuradas suas “reais necessidades”, e ficariam localizados em algum país fora do continente europeu, como o norte da África ou nos Balcãs.

Já existem na Líbia campos de detenção de imigrantes que tentam atravessar o Mediterrâneo – e onde as pessoas são detidas em péssimas condições, algumas vezes até vendidas como escravos.