México e a audácia de se fazer respeitar dentro e fora de campo

Não sei se foram milhões de rezas à Virgem de Guadalupe, se foram as súplicas dos milhares de mexicanos encarcerados por razões migratórias, ou os deportados pensando em suas famílias tristes e separadas ao norte.

Por Oscar León

México seleção - Divulgação

Não sei se foram as avós pedindo por um dia melhor, enquanto na rua a guerra às drogas usa sangue humano para engraxar suas engrenagens.

A coisa é que antes parecia que o México não poderia perder, entre a muralha da defesa, a segurança de Ochoa e a frustração dos campões, na verdade não sei se foi Deus, ou se foi a Virgem de Guadalupe, mas creio que alguém de cima deu uma mão, não sei…

O que sim sei é que tanto sofrimento pariu gente muito forte, não só no México, mas em toda a América Latina.

Como um guerreiro ungido pelas mãos das anciãs e as virgens do povo, no minuto 38, o Memo Ochoa se lançou como um felino e num microssegundo chegou à sua nomeação na história, com este espetacular lance que o ângulo de Tony Kroos lhe negava.

Falar de Alemanha e México é falar de dois mundos diametralmente distintos, ao menos para a minha experiência. Visitei Berlin em 2005, para cobrir a Feira Mundial de Turismo, não se pode dizer mais que as palavras “desenvolvimento e beleza”, a cidade é um sonho, Alemanha hoje é um país muito aberto e progressista, de gente muito educada que vive bem.

Poderia citar o exemplo de centenas de bicicletas (algumas muito caras) estacionadas no centro de Berlin sem cadeados. “Aqui não roubam”, me disse um estranho, um imigrante africano que amavelmente me guiou até o trem correto.

Ele me lembrava Jerome Boateng, a defesa central da Alemanha, um imigrante de Gana, seu irmão jogou nesta seleção, de fato, eles protagonizaram o único duelo de irmãos defendendo seleções diferentes de que se tem memória.

E sim, a história para os imigrantes na Europa mudou drasticamente, com a guerra na Síria e os imigrantes africanos morrendo nos barcos, mas a Alemanha é definitivamente um país mais aberto.

Imaginem o que aconteceu quando, como país, viveram uma etapa muito obscura, quase foi preciso destruir o mundo para salvar o mundo e os alemães estão muito esclarecidos sobre isso.

No centro de Berlin há uma cadetral chamadas “Kaiser Wihelm Memorial’, com um enorme buraco de um tiro de canhão no meio, como uma advertência para que não esqueçam o que aconteceu.

É incrível notar que a Alemanha ganhou sua primeira copa (de um total de 4) em 1954, só 9 anos depois de ser demolida ao final da 2ª Gurra em 1945 que reduziu o país a escombros, seus habitantes refugiados em seu próprio país, mulheres violadas e homens humilhados, enfrentando uma reconstrução não só física, mas moral e espiritual, logo após a sombra do fascismo.

Mas a sombra da supremacia branca dos nazistas, há muito se dissipou na Alemanha. E dia após dia nós nos inteiramos de outro ataque a nossa cultura latina, a mentira e o insulto que se converteram em norma de um presidente profundamente racista: “criminosos”, “animais”, “violadores”, a desumanização de uma raça é a nova norma, um enorme grupo humano que enfrenta a perseguição, a violação de sua mais básica dignidade e direitos constitucionais e humanos.

Devido ao fato de por muitos períodos ter vivido no Arizona e ter reportado desde a fronteira e o norte do país, minha experiência de México não é de Duty Free, ou este paraíso turístico que a maioria dos turistas conhecem, mas esse México cru e duro, este povo belo, orgulhoso, mas maltratado em seu país e aqui no Norte, perseguido.

Lamentavelmente, a separação de famílias, o encarceramento massivo e a tortura psicológica voltaram a ser política de Estado nos Estados Unidos, onde crianças são arrancadas de suas mães na fronteira e jogados em jaulas onde não se permitem nem que confortem seus irmãos menores, em meio de um inferno de choro infantil que parece concebido para aterrorizar ao resto dos latinos e mantê-los longe do país mais rico do mundo.

Em facilidades como McAllen, Texas, onde 1100 indivíduos e famílias detidas em grupo (antes das novas políticas da administração Trump) esperam, em células coladas a centenas de crianças recentemente separadas deles – graças ao decreto de Jeff Sessions – que agora estão presas em jaulas. Há apenas 4 trabalhadores sociais para trocar as fraldas e atender as crianças.

As novas leis já não permitem fianças para imigrantes, assim que devem ficar presos até ser deportados uma vez que seu caso seja processado, o que pode demorar até 5 anos, momento para o qual, se os menores que foram separados não são procurados, serão transferidos para uma detenção de maiores.

E seus pais, ao ser liberados (ou deportados) não são informados de sua localização, em outras palavras, as pessoas uqe são presas na fronteira e separadas passarão anos até se reunir, se é que vão conseguir fazer isso novamente.

Na semana passada entrevistei um par destes trabalhadores sociais, que sob anonimato me contaram histórias desoladoras de separação infantil, algo que a Associação de Pediatras dos EUA caracterizou recentemente como “tortura infantil sancionada pelo Estado” e “grave violação de direitos humanos”.

Os que cruzam a fronteira são refugiados econômicos, mas atrás das caracterizações como criminosos e animais, está o racismo. Já não há dúvida, como esclareceu o representante estatal do Arizona, David Stringer, “não há crianças brancas o suficiente”, assim está claro.

Há crianças em jaulas chorando enquanto você lê isso. Parece mentira, mas não é.

E enquanto famílias latinas celebraram o Dia dos Pais [que diferente do Brasil, foi comemorado no último domingo (17) em diversas partes do mundo] lendo sobre histórias como a de Marco Antonio Muñoz, hondurenho de 39 anos que tirou a própria vida no último dia 13 de maio, em uma cela solitária no Texas, logo depois que arrancaram seus filhos de seus braços.

Se te incomoda escutar sobre as crianças latinas em jaulas, e te ferve o sangue, vá até um espelho e se olhe, esse é o “olho do tigre”, lembre-se deste olhar, precisará dele porque de agora em diante nós latinos temos que ganhar em tudo, como o México fez contra a Alemanha, esfregar na cara do mundo que não estamos abaixo de ninguém, que tudo é possível. Mantenha a cabeça erguida.

Na Rússia, quando a seleção mexicana apareceu, desenhou uma linha no solo e decidiu demonstrar que não são inferiores a ninguém.

“Sim, é possível” vencer do campeão do mundo, assim venceu as quatro vezes passadas a equipe branca, ferida, veio pra cima, mas a verde e branca e vermelha, como se fosse Rocky Balboa (III), aguentou (por quase 60 minutos) uma sequência de golpes do campeão do mundo (o número 2 no ranking da história) e o derrotou, diante da incredulidade de todo o planeta que olhava esta partida.

Tomara que o México (ou qualquer outro latino) ganhe o mundial e se coloque de pé de uma vez. Para que todos vejam que a América Latina é um gigante e merece respeito.

“Sim, é possível” é o mantra daqueles que dias após dia buscam um mundo melhor em meio a tanta decadência.

É preciso demonstrar ao mundo todos os dias nossa grandeza, para que vejam que não há raça inferior e que se saiba, que qualquer sinal de inferioridade de parte de qualquer pessoa, (não importa seu poder econômico) se revela em seu comportamento, não em sua cor de pé (todos temos olhos e compreendemos de primeira mão a miséria humana).

O domingo (17) foi um bom dia dos pais, em todo o mundo, os latinos que gritamos este gol nos tornamos um pouco mais irmãos e nas celas de encarceramento massivo no país do norte, os presos como um rumor se inteiraram da façanha e com emoção no peito souberam que não somos menos que ninguém.

Os papeis se inverteram e Alemanha se esforçava contra a determinação de uma equipe mexicana que disse “hoje não”. Desta vez, o campeão do mundo parecia uma equipe de crianças, desesperadas para cruzar uma fronteira que não estava aberta para eles.

Como a fronteira norte-americana e sua eficiente monstruosidade; a defesa mexicana não deu nenhum visto e rechaçou qualquer petição dos alemães.

Ao final da partida, as lágrimas de Chicharito eram as minhas, a façanha foi real (me belisque) Davi derrubou Golias, o México teve a audácia de se fazer respeitar.

As segundas lágrimas do dia, finalmente saíram no carro, quando dirigia até minha casa e pensei em meus filhos e como reagiriam se os levassem, se desaparecessem com eles e os metessem em jaulas. Então chorei de pena, ira e impotência.

Neste dia do jogo, o México não foi só México, foi um continente ensinando uma lição ao mundo e liberando um grito do peito, o mesmo mantra que repetem os humanos no deserto arriscando tudo. “Sim, é possível”.