Com Duque presidente, Acordo de Paz está ameaçado na Colômbia

“Que derrota?! Oito milhões de colombianos livres e em pé. Aqui não há derrota. Por ora não seremos governo”. Assim o candidato Gustavo Petro, que não venceu as eleições presidenciais deste domingo (17), na Colômbia, definiu o resultado eleitoral. Porém, mesmo com o otimismo da esquerda – que pela primeira vez chegou tão longe – o acordo de paz firmado entre a Farc e o governo corre riscos assim que Iván Duque, representante da extrema-direita, assumir a Casa de Nariño.

Por Mariana Serafini

Acordo de paz na Colômbia - Dplfblog

É inegável o avanço da esquerda colombiana neste último período e, sem dúvida, é um reflexo do acordo de paz que mudou o cenário político do país. Até então, a maior votação obtida pelo campo progressista havia sido 2,2 milhões de votos em 2006. Neste domingo, Petro conquistou quatro vezes mais e atingiu a marca de 8 milhões de votos, o que não foi suficiente para bater Duque e a oligarquia que o acompanha.

Porém, este resultado mostra que é possível pavimentar um novo caminho na Colômbia, com uma esquerda que hoje tem força para ser a oposição consequente. E caberá a esta esquerda articular a organização social a fim de evitar retrocessos no acordo de paz, esta é a avaliação do assessor de organizações indígenas e camponesas colombianas, Héctor Modragón.

Para Héctor, está posto que Duque vai atacar o acordo, assim como prometeu em campanha, porque a paz não interessa aos setores mais reacionários da Colômbia. Com isso em mente, a única forma de defender este documento que deu fim aos 50 anos de guerra é com mobilização e organização popular.

“Petro disse algo vital para todos os oito milhões que votamos por ele, vamos defender o acordo de paz nos mobilizando e acudindo à justiça. Por outro lado, a coalizão que elegeu Duque tem o controle no Congresso e eles podem impor mudanças para tentar destruir o acordo de paz”, denuncia o especialista.


Petro obteve maioria dos votos em praticamente todas as comunidades negras e quilombolas da Colômbia 


Na Colômbia, o candidato que fica em segundo lugar nas eleições presidenciais tem um assento garantido no Senado automaticamente. Sendo assim, Petro tem o direito de assumir como senador e ser uma voz ativa contra os retrocessos, mas os parlamentares governistas não estão dispostos a cumprir esta norma e apelam à justiça para não deixá-lo ser empossado. Esta já é uma das ofensivas contra o campo popular, apenas um dia após a eleição.

Hector acredita, entretanto, que este processo eleitoral foi um divisor de águas na história recente da Colômbia porque até então o candidato progressista que chegou mais perto da presidência foi Eliécer Gaitán, assassinado em 1948, às vésperas da votação. Agora, Petro chegou ao segundo turno com possibilidades reais de vencer e enfrentou o histórico de fraudes da máquina do governo colombiano, o crime organizado e a oligarquia local.

Então mesmo que a direita tenha forças para atacar o acordo de paz e impor novamente um retrocesso, os movimentos sociais hoje têm mais condições de se organizar e resistir. “Vamos fazer uma oposição de massas e uma resistência civil de 8 milhões de eleitores mobilizados, coisa que nunca antes existiu na Colômbia. Por outro lado, há um pessimismo intelectual porque os riscos existem”.

Esta eleição também foi marcada pela alta participação popular, mais da metade dos eleitores compareceram às urnas. Segundo Héctor, este é um dos resultados do acordo de paz, porque as pessoas sentiram que o fim do conflito armado foi um “oxigênio” que permitiu sonhar com uma nova forma de se fazer política.

“É este novo período que a direita quer fechar porque sabem que finalmente estamos organizados. Se formos pacientes e consequentes para seguir rumo a uma transformação da situação da Colômbia podemos chegar o ponto em que exista uma eleição sem compra de votos, sem fraude, sem os paramilitares controlando determinadas regiões e assim vamos conquistar uma democratização real da Colômbia”, avalia.

Além do acordo de paz, cabe aos movimentos sociais e aos partidos da oposição resistir à política econômica já anunciada por Duque que pretende reduzir impostos para multinacionais e bancos estrangeiros sob o pretexto de atrair investimentos e ao custo de reduzir o orçamento de políticas públicas. “Será um período de luta de classes e sérias ameaças a serem enfrentadas. O conflito social e político será constante e, penso que, é fundamental não só internamente, mas nos outros países, quebrar o cerco midiático para esclarecer o que de fato acontece na Colômbia”.

Compra de votos e controle paramilitar

Diferente de outras eleições, estas foram marcadas por uma relativa tranquilidade. Contudo, isso não quer dizer que tenha sido um processo limpo. “Um processo eleitoral tranquilo não significa eleições sem fraudes, pelo contrário, se estão comprando votos, não existem mortos”, denuncia Héctor.


Um olhar detalhado – o mapa mostra as regiões onde cada candidato obteve maioria 


Segundo ele, Petro enfrentou uma máquina de compra de votos extremamente organizada, além do controle dos paramilitares em diversas regiões. O mapa eleitoral mostra, por exemplo, que as comunidades negras e quilombolas votaram massivamente pelo candidato progressista, exceto a cidade de Tumaco, onde os paramilitares dominam. “Especialmente nas regiões camponesas não se pode votar livremente e os resultados são totalmente manipulados”.

Héctor, que antes das eleições denunciou a fragilidade do sistema eleitoral colombiano, disse que o principal método de fraude utilizado desta vez foi a compra de votos. No entanto, não se pode ignorar que tenha havido outros mecanismos, como a manipulação de listas e a influência de hackers.

Colômbia, um terreno dos Estados Unidos na América Latina

A vitória de Duque representa também o fortalecimento da influência dos Estados Unidos no continente que atualmente atua para desestabilizar os governos de Nicolás Maduro na Venezuela e Daniel Ortega na Nicarágua.

“Obviamente o governo da Colômbia se consolida como um agente do imperialismo com o triunfo de Duque. A ofensiva imperialista não é só na América Latina, eu diria que o eixo principal ainda está no Oriente Médio – com a destruição da Síria e do Iêmen – mas aqui também vemos uma investida muito grande da direita que está destruindo o Mercosul e se chega a assinar os tratados de livre comércio com os EUA e a União Europeia, significa o fim deste projeto de integração que chegou a existir na década passada”, avalia Héctor.

Pupilo de Álvaro Uribe, Duque representa os setores mais reacionários e a extrema-direita da Colômbia 


Recentemente, a Colômbia passou a integrar a Otan como membro observador, isso significa ampliar a presença militar externa no continente, de forma a servir como agente desestabilizador quando for conveniente. De acordo com o especialista, a mobilização popular é uma das ferramentas capazes de frear este avanço contra os projetos progressistas.

“Quando se fala de Otan, estamos falando em termos militares, quando se fala das tropas dos EUA na Amazônia também, e isso é uma ameaça para o nosso continente, sem dúvidas. Por isso é necessária a solidariedade entre os países com esta oposição de massas, com estes 8 milhões de cidadãos livres que se expressaram na Colômbia e tem toda uma tarefa pela frente para o país e para a América Latina que é decisiva”, conclui.