México enfrenta desafio de eleições limpas após suspeitas de fraude

Após duas eleições marcadas por denúncias de fraude e de uma ampla reforma no sistema eleitoral realizada em 2014, a democracia mexicana será posta à prova no próximo 1º de julho, quando o povo irá às urnas para eleger seus novos governantes e legisladores. O desafio é superar a desconfiança que pesa sobre o sistema eleitoral mexicano, após os pleitos de 2006 e 2012, quando foram eleitos Felipe Calderón (2006) e o atual mandatário Enrique Peña Nieto (2012). 

Por Fânia Rodrigues

Candidatos do México - Divulgação

No México, o voto não é obrigatório e a média de participação é de 63% do eleitorado. Atualmente, cerca de 86 milhões de mexicanos estão habilitados a votar. Nessas eleições, serão eleitos 500 deputados federais, 128 senadores e o presidente da República, para um mandato de 6 anos. Além disso, 30 estados irão realizar eleições locais para prefeitos e vereadores. E oito dos estados também vão escolher seus governadores. Cada unidade federativa possui seu próprio calendário eleitoral para os pleitos regionais, por isso as datas de alguns processos não coincidem.

Outra peculiaridade do sistema mexicano é que não existe segundo turno na escolha do Executivo, o que faz com que o presidente seja eleito com aproximadamente 37% dos votos, segundo os resultados dos últimos dois processos eleitorais. O resultado mais polêmico foi em 2006, quando Felipe Calderón foi declarado vencedor com 35,91% dos votos e o segundo colocado, Andrés Manuel López Obrador, obteve 35,29%.

Doze anos depois, o sistema de turno único beneficia López Obrador, candidato pelo partido progressista Morena, que lidera as pesquisas, com 49% das intenções de votos. Aparecem em seguida Ricardo Anaya Cortés, com 28%, do partido PAN, a segunda força política do país; e logo depois o candidato Antonio Meade Kuribreña, com 21%, apoiado pelo PRI, o maior partido do México. Juntos os dois candidatos de partidos de direita somariam também 49% dos votos.

O dirigente do Movimento de Liberação Nacional (MLN), Marcos Tello, afirma que o poder político desse dois partidos, caso estivessem unidos, pode ir muito além do que apontam as pesquisas nesse momento. “Desta vez esse sistema convém à esquerda porque no marco do sistema eleitoral e do regime político oligárquico que tínhamos, a esquerda possuía muito pouca chance de ganhar em segundo turno. Os dois grandes partidos que se apresentam como centro-direita marcham juntos desde 1981. Caso existisse segundo turno esses dois partidos teriam condições de controlar até 60% da votação”, aponta o dirigente social.

Reforma do sistema político

Em 2014, o sistema político mexicano passou por mudanças estruturais com o objetivo de democratizar o processo. Essas mudanças são frutos de reivindicações de alguns setores políticos, sobretudo dos partidos e políticos da esquerda mexicana. Segundo Tello, a reforma política e do sistema eleitoral foi uma medida para reconciliar os setores políticos. “A reforma de 2012, impulsionada pelo presidente Enrique Peña Nieto, faz concessões à aqueles que questionavam sua eleição. O presidente acolheu as principais críticas, que tinham a ver com o uso excessivo dos meios de comunicação e a compra ilegal de tempo de rádio e televisão”, destaca Tello, que também é sindicalista, membro da Coordenação Nacional de Trabalhadores da Educação.

Entre as principais mudanças está a implementação das candidaturas independentes. Os cidadãos mexicanos que desejarem ser candidatos a um cargo público não precisam estar filiados a um partido político, basta reunir 1% de assinaturas do eleitorado para legitimar a candidatura. Um dos atuais candidatos fez essa opção. Trata-se de Jaime Rodríguez, conhecido como El Bronco. Apesar de não ter reunido o número de assinaturas suficiente, o Tribunal Eleitoral do México autorizou sua participação, alegando que o tempo estabelecido pelo organismo eleitoral não era suficiente para recolher esse número de assinaturas, cerca de 789 mil, que corresponde ao percentual estabelecido pela lei de acordo com o último processo eleitoral.

A reforma política estabeleceu ainda a paridade entre homens e mulheres para os cargos legislativos. A participação feminina ficou estabelecida em 50%. Assim, também foi legalizada reeleição para os cargos de deputados, senadores e vereadores, que agora podem ser eleitos por até dois mandatos consecutivos, em um total de 12 anos.

Além disso, foi criado o Instituto Nacional Eleitoral, que substituiu o Instituto Federal Eleitoral. Na prática essa mudança representa o deslocamento de poder, que antes era descentralizado e sofria forte influência política dos governos dos estados. Agora o poder eleitoral terá mais autonomia.

Recursos ilegais

O dirigente político Marco Tello afirma ainda que os partidos opositores que questionavam a legitimidade das eleições de 2012, apontavam irregularidade no uso de recursos ilegais e excesso de propaganda eleitoral, por isso exigiam mudanças na legislação. “Em 2012, o López Obrador questionou o uso de recursos alheios ao orçamento oficial [Caixa 2]. Isso ocorria por meio de recursos estatais com a ajuda de alguns governadores, também através de empresário e grupos do crime organizado, que aqui no México estão muito articulados com o empresariado e alguns membros das forças de segurança do Estado”, analisa Tello.

O candidato a deputado do partido Morena, Alejandro Chávez, afirma que uma das mudanças positivas é a fiscalização em relação aos recursos de campanha para evitar o uso abusivo de recursos. “Os recursos financeiros usados durante o período de campanha estão sendo fiscalizados com uma lupa. Isso é importante para evitar o uso de dinheiro ilegal, mas somente ao fim de tudo, terminadas as eleições, é que vamos poder constatar quão efetiva foi essa fiscalização e se conseguiu garantir a transparência do processo”, ressaltou o candidato do estado de Puebla, localizado no centro-sul do país.

Um dos problemas do modelo político e do sistema eleitoral mexicano, segundo especialistas, é a impunidade dos crimes eleitorais. “Nos últimos 15 anos nenhuma pessoa foi presa por coação de eleitores, nenhum político foi sentenciado por compra de voto e tão pouco foi preso algum funcionário do Estado processado por desvio de recursos públicos”, apontou o cientista político Luis Carlos Ugalde, ex-assessor do Instituto Federal Eleitoral, em artigo publicado pelo site Animal Político.