Macondo terá a revanche do plebiscito do 2016

O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais na Colômbia, no último 27 de maio, trouxe um cenário que nem Melquiades em seus papiros poderia prever um ano e meio atrás.

Por Aldo Jofré Osorio*

Gustavo Petro - Divulgação

Na onda das eleições que colocaram Trump na cadeira do escritório mais poderoso do mundo e do monumento à xenofobia e ao narcisismo que foi o Brexit, a Colômbia marcou outro gol contra a humanidade com o triunfo do NÃO no plebiscito do Acordo de Paz, assinado entre o governo colombiano e as FARC-EP.

Assim como o espírito de Prudencio Aguilar apareceu para atormentar José Arcadio Buendía, Álvaro Uribe Vélez perturbou Juan Manuel Santos com sua campanha suja e de desinformação. Mas, assim como na obra, o amor incestuoso entre o presidente Santos e uma boa parte dos políticos tradicionais – corruptos – foi mais forte.

Deixando Uribe amarrado a uma castanheira, o que significava minoria no congresso, o acordo de paz prosperou, mesmo que redesenhado, para a foto do presidente com seu prêmio Nobel.
A partir da castanheira a que foi amarrado o ex-presidente Álvaro Uribe, anunciaram-se maldições para as futuras gerações de Macondo. Não eram rabos de porcos que nasceriam nas crianças, mas algo muito pior: o espectro do "Castrochavismo".

Um ano se passou e as pragas de sempre seguiam caindo sobre Macondo – assassinatos de líderes sociais, parapolítica, corrupção, tráfico de drogas, crise econômica, dentre outras moléstias. Mas é a temida "peste do esquecimento" que tira o sono da esquerda colombiana. Ela, como Aureliano Buendía com marcas de bala no peito, abandonou a luta armada e se pôs em seu pequeno canto derretendo e fabricando votos, eleição após eleição, como os peixes de ouro do coronel Buendía.

Foi assim que chegou 2018, ano da Copa do Mundo de Futebol e das eleições presidenciais, eventos aos quais a maioria dos colombianos assiste apenas pela televisão, já que o país tem a maior taxa de abstenção eleitoral da América Latina. E, tal qual no romance em que Aureliano Buendía sai em busca de progresso para o seu povo, a esquerda colombiana e os setores democráticos, com a paz a tiracolo, vão atrás de um novo projeto político para o país.

Depois de um curto período de tempo chega o primeiro turno das eleições com o confronto de dois projetos totalmente diferentes. Um deles é baseado na continuidade de “cem anos de solidão política” – a Colômbia sempre esteve fora de qualquer onda progressista na América Latina –, representado por Ivan Duque, aluno do ex-presidente Álvaro Uribe, candidato do Centro Democrático, que obteve 7,616,857 votos (39,34%). Uma mistura das assombrações de Melquiades e dos tormentos do Prudencio, já que o uribismo pregava que rasgaria o Acordo de Paz e salvaria a Colômbia de se tornar uma Venezuela ou uma Cuba (ou a mistura das duas).

O outro projeto obteve segundo e terceiro lugares no dia 27 de maio e inclui Gustavo Petro, que lidera a coligação Colômbia Humana, aliança de centro-esquerda que alcançou 4,855,069 votos (25,08%) e Sergio Fajardo, à frente da coligação Colômbia, projeto de centro que somou 4.602.916 votos (23,78%). Nessa eleição, 47% dos eleitores que poderiam votar se abstiveram.
Em Macondo, como se sabe, a realidade tem suas próprias regras. Dizer que Gustavo Petro e Sergio Fajardo representam um só projeto é fantasiar demais. Os pontos comuns em seus programas de governo são escassos, suas afinidades são poucas e até mesmo seus nichos eleitorais são de diferentes classes sociais.

Somado a isso, Fajardo anunciou que votará em branco no domingo, embora a maioria de sua coligação tenha confirmado apoio a Petro.

Apesar de tudo, em uma das eleições mais polarizadas da Colômbia, neste domingo (17), Petro e Fajardo estão do mesmo lado. Em suas campanhas, o único ponto relevante em comum é a proteção e implementação do Acordo de Paz, o que pode fazer a diferença.

Para muitos, o domingo é uma revanche do plebiscito de 2016, mas desta vez sem o presidente Santos.

Assim como José Arcadio Buendía acordou do sonho e começou a construir Macondo, os setores políticos começaram a construir alianças após o primeiro turno.

De um lado, há aqueles que acreditam que desta vez é possível mudar as coisas. Perdendo o medo de votar pela esquerda, uniram-se sob a bandeira "não sou Petrista, não gosto de Petro, mas qualquer coisa é melhor que Uribe e meu voto é de Petro".

Do outro lado estão os defensores do ex-presidente Uribe, que sempre votam cegamente "em quem Uribe indicar". Eles também precisam de apoio e o encontraram no casamento incestuoso entre o presidente Juan Manuel Santos e os partidos tradicionais (corruptos), que se dizem dispostos a “dialogar pelo futuro do país”.

E, como anunciado pela profecia, Colômbia presenciou um fato surreal: a cada dia, deputados, senadores, ex-presidentes, famosos por serem rivais políticos, foram se alinhando, enrolados como um rabo de porco, com o pupilo do ex-presidente Uribe. Tudo para proteger sua subsistência e deixando esquecido – para que as formigas o comam, como o último bebê da Babilônia – o Acordo de Paz.

Agora, neste domingo, os habitantes de Macondo ficaram esquecidos, longe dos políticos tradicionais, longe da parapolítica, longe das campanhas de medo e da máquina de guerra, são chamados para salvar o Acordo de Paz e para dar um futuro à Colômbia.

Para alcançar esta vitória histórica, eles precisam da participação daqueles que tradicionalmente assistem às eleições em suas casas. Esperando que, desta vez, as estirpes condenadas a 100 anos de solidão tenham, sim, uma segunda chance nesta terra, votando por Gustavo Petro.