A derrama de dólares

No último 12 de junho, Dia dos Namorados, a cotação oficial do dólar está em 3,73 reais. Entretanto, ninguém conseguirá comprar a moeda estadunidense em uma casa de câmbio por um valor abaixo de 3,93. Via cartão de crédito, está acima de 4,10.

Por Roberto Carvalho* 

Cédulas de cem dólares

Qualquer um minimamente informado sabe que é questão de tempo para o dólar voltar a ultrapassar oficialmente a barreira de 4 reais, como aconteceu na prática há poucos dias. Os especialistas do mercado apostam em uma cotação na casa de 5,30 em muito pouco tempo. E isso no dólar comercial, mais barato do que o turismo.

A alegação oficial é “a turbulência nos mercados internacionais e a elevação nos juros do Banco Central dos Estados Unidos. Há fundamento nessas alegações. É preciso, no entanto, ressaltar que as “turbulências” nas economias de diversos países são fruto de fatos ocorridos nos EUA e da extrema dependência da maioria das moedas do mundo em relação ao dólar.

O cenário é mais complexo

Além da elevação dos juros do Fed, há uma evidente recuperação da economia dos Estados Unidos, com a expansão de importantes setores da indústria produtiva, a volta de investimentos na infraestrutura, que tem como consequência a elevação da oferta de empregos. As políticas protecionistas de Trump fazem com que seja bom negócio voltar a investir nos EUA.

A priorização da economia do país, em detrimento da globalização, foi o principal motivo das discordâncias entre o presidente dos Estados unidos e os demais países do G7, todos com economias profundamente dependentes dos mercados importador e financeiro estadunidense.

Enquanto a Europa do “Ocidente” e o Japão, menos, se mostram extremamente ansiosos e preocupados com as políticas econômicas fora dos marcos da globalização, os países asiáticos, a reboque da China, que é a maior potencia industrial do planeta, continuam a avançar em mar calmo e com bons ventos.

Esse cenário, de um comércio florescente, é o que ocorre na realidade na Ásia, apesar da mídia mundial controlada pelo sistema financeiro insistir em ampliar atritos menores ou imaginários entre a China e seus vizinhos.

Enquanto a Europa patina, com exceção de Portugal e Islândia, a crise atinge com força as pequenas economias dos países emergentes, principalmente na África e América Latina. A maioria desses países adotou nos últimos anos a receita neoliberal e hoje sofrem as consequências disso.

Entre as maiores economias emergentes, as mais problemáticas são a da Argentina, onde o dólar variou nos últimos 12 meses 32,78%. Turquia, 14,24%, país que está em rumo de abandonar sua aliança com o “ocidente”. Rússia, 10,22, que sofre o boicote ocidental desde a crise da Crimeia e desenvolve sua economia fora do ambiente da moeda estadunidense. E Brasil, 8,84%, onde foi adotada à risca a receita dos Chicago Boys, como são conhecidos os economistas (que mais parecem contadores) condicionados pelo neoliberalismo.

Turquia e Rússia podem ser consideradas casos à parte, pois movem sua economia para fora do ambiente do dólar. A Rússia e a China (onde a crise não chegou) avançam rapidamente na composição de reservas do outro, para substituir as moedas fortes do G7 – a primeira detém a quinta maior reserva mundial de ouro, com 1,88 mil toneladas, é o maior comprador e terceiro país que mais extrai o mineral precioso.

O efeito Orloff

As duas maiores vitrines do neoliberalismo entre os emergentes são, portanto, Argentina e Brasil. Ambos os países enfrentam desastres de grandes proporções.

Desde maio, a Argentina foi obrigada a aumentar sua taxa de juros para 40%, a maior do mundo e, mesmo assim, teve de pedir um crédito de 50 bilhões de dólares de socorro ao FMI. É uma montanha de dinheiro que não vai para a infraestrutura, saúde, educação, segurança ou qualquer outra área para atender à população argentina. Quando o crédito for sacado, vai direto para o pagamento dos juros dos credores do país.

O Brasil entrou no mesmo rumo nos últimos 15 dias. O dólar explodiu e o calculo de sua variação é difícil, dado a volatilidade da moeda estadunidense. Em 7 de junho, a cotação do dólar atingiu 4 reais. Oficialmente era vendida a 3,92, mas naquele dia nenhuma empresa conseguia comprar a moeda por menos de 4 nas casas de câmbio, bancos ou doleiros.

De lá para cá, o Banco Central iniciou uma gastança inédita das reservas laboriosamente acumuladas por Lula e Dilma Rousseff para tentar impedir o colapso do câmbio. Os dois presidentes conseguiram acumular um valor superior a 382 bilhões de dólares de reservas em moedas fortes no tesouro. Na época em que esse valor foi alcançado, o Brasil era dono da sexta maior reserva em divisas fortes do mundo.

Com o golpe, o país deixou de acumular divisas fortes e passou a gastar o que havia sido economizado. Em 2017, a reserva havia diminuído para pouco mais de 377 bilhões, caindo o Brasil para o 9º lugar entre os maiores poupadores de moedas fortes do planeta.

Desperdício e ameaça

Apesar das barbeiragens econômicas do governo golpista, a posição do país continua forte, graças aos acertos de Lula e Dilma. A destruição da economia brasileira enfraqueceu, no entanto, o País e o tornou muito mais vulnerável do que na cataclísmica crise de 2008, provocada pela desregulamentação dos bancos nos Estados Unidos e Europa.

Naquela época, o Brasil possuía um dos mercados internos mais vigorosos do mundo, a economia era robusta e estava em ascensão, a força da indústria era rapidamente recuperada, as construtoras de obras pesadas mais competitivas do planeta eram brasileiras, havia crescente investimento na infraestrutura, a exportação de commodities batia recorde e o pré-sal, que começava a jorrar, estava destinado a irrigar a economia.

A maior parte desses fatores foi abandonada pelas receitas neoliberais, impostas pelo golpe antidemocrático. O mercado interno foi fulminado pelo crescente desemprego e o empobrecimento da população. A economia estagnou e entrou em colapso – só é boa nos números fabricados pelos propagandistas da mídia do baronato e para os banqueiros, rentistas e agiotas.

A indústria voltou a declinar por falta de mercado interno, ausência de compras governamentais para a infraestrutura e de perda de competitividade nas exportações. As construtoras foram destruídas. As obras de infraestrutura estão paralisadas ou abandonadas. E o pré-sal entregue a estrangeiros não contribui para a economia brasileira, como poderia.

Restam somente as commodities minerais e do agronegócio, os quais, isoladamente, não têm condições de sustentar o crescimento de uma economia moderna. Ao contrário, paralisam a economia brasileira em um estágio semicolonial: exportação de matéria-prima e importação de bens industrializados com maior valor agregado.

Dessa forma, o Brasil não possui mais as ferramentas para o desenvolvimento e necessárias ao enfrentamento das crises mundiais, como tinha em 2009 e 2010, quando os efeitos da explosão dos bancos responsáveis pelos papeis podres devastaram boa parte do mundo. Prova disso foi que o PIB brasileiro cresceu 7,5% em 2010, a terceira maior elevação naquele ano.

Com o país completamente desarmado pelo golpe – cuja origem está em interesses internacionais, que se movimentaram contra o impressionante protagonismo do Brasil – ficamos vulneráveis às turbulências internacionais, às mudanças econômicas, como as que ocorrem em função da mudança de comportamento dos Estados Unidos, e aos ataques especulativos, tradicionais acompanhantes das crises mundiais.

Rumo à falência

A estratégia dos banqueiros neoliberais golpistas que comandam a economia brasileira para lidar com a crise da fuga dos dólares é a mesma que arrasou a Argentina: vender todo o patrimônio nacional, não somente as empresas estatais, mas inclusive as divisas fortes acumuladas no tesouro.

No curtíssimo período entre 14 de maio e 15 de junho, o BC injetou no mercado de dólar o equivalente a 38,6 bilhões de dólares. Significa na prática que o governo golpista torrou algo em torno de 10% da reserva acumulada por Lula e Dilma, em apenas 24 dias úteis.

Como todos sabem, quem gasta dinheiro sem ganhar, acaba falindo, mesmo que seja muito rico.

É o que o Brasil do golpe está fazendo. Com uma condução fundamentalista e equivocada da economia, o país está paralisado e vulnerável a qualquer marolinha que ocorra no mundo. A falência do Estado é uma ameaça real que, se ocorrer, vai punir toda a população.

Um momento como o que o Brasil atravessa – neste mundo turbulento e em mutação, quando uma velha ordem mundial pode ser substituída por outro ordenamento internacional – exige soluções vindas de grandes estadistas, capazes de pacificar e unificar o país, além de apontar o rumo exigido pela história. Infelizmente, o maior de todos os brasileiros, o estadista em quem a maioria confia, está preso em uma solitária de Curitiba.

Por isso, Lula livre e disputando a presidência do Brasil é a saída obvia para o País.

* Roberto Carvalho é administrador de empresas, funcionário de carreira do DER-MG, foi presidente do sindicato dos servidores do Estado de MG, vereador em BH, deputado estadual e vice prefeito da capital mineira, nas gestões Fernando Pimentel e Márcio Lacerda