Para juristas, decisão do STF sobre coercitiva foi avanço

Por 6 votos a 5, o plenário do Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (14), considerou inconstitucional levar pessoas à força para interrogatórios, a chamada condução coercitiva, instrumento favorito da Operação Lava Jato.

STF

A decisão acatou duas ações apresentadas à Corte, uma de autoria do PT e outra do Conselho Federal da OAB, que pediam a proibição das conduções coercitivas por inconstitucionalidade.

Para a maioria dos ministros, o artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Constituição por violar o direito dos cidadãos de não produzir provas contra si mesmos — ou o direito à não autoincriminação.

Votaram pela inconstitucionalidade os ministros Gilmar Mendes, relator da ação, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil, a decisão é "uma vitória para a democracia". "Todos nós queremos o combate ao crime e à impunidade, mas nos estritos termos da lei. Não vou me cansar de afirmar que não se combate o crime cometendo outro crime”, disse o presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia.

“A condução coercitiva, por si só, já representa uma violência do Estado contra o cidadão, absolutamente imprópria numa democracia”, afirma o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

Apesar do artigo estar no Código de Processo Penal desde 1941, a condução coercitiva só se tornou frequente a partir de 2014, com a Lava Jato que decretou 227 conduções coercitivas, segundo afirmou o próprio ministro Gilmar Mendes em seu voto.

A decisão do STF foi considerada como avanço por diversos juristas. Para o juiz Marcelo Semer, que integra a Associação Juízes para Democracia (AJD), destacou que a chama condução coercitiva é ilegal.

“Faz tempo que digo que essa “condução coercitiva” é uma prisão para oitiva, disfarçada e ilegal. Que bom que o Gilmar decidiu assim – pena que só agora. Ainda assim é correta. Não tenho medo de concordar com Gilmar; no fundo, é ele que está concordando comigo”, afirmou o magistrado.

“Há esperança!”, disse o professor Aury Lopes Jr., titular do programa de pós-graduação em Ciências Criminais na PUC-RS e autor de diversas doutrinas de processo penal. Dois ministros, Gilmar Mendes e Lewandowisk, citaram a crítica feita pelo jurista à condução coercitiva em uma de suas obras para fundamentar o voto.

“Nunca vi qualquer sentido em conduzir coercitivamente quem não é obrigado a declarar ou a fazer prova contra si mesmo. Vai até lá para que? Para dizer que não vai falar e que perderam tempo lhe conduzindo? Apenas para exercer autoridade? Sem sentido, senão puro exercício de poder sem razão”, enfatizou o professor.

Para o também processualista penal Afranio Silva Jardim, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), também saudou a revogação do instituto.

Ao comentar a votação, Afranio destacou em tom irônico o voto da ministra Rosa Weber. “Quem sabe ela está despertando da "cilada" do punitivismo?”, indagou o jurista, numa clara referência ao voto da ministra na sessão que julgou o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi considerado contraditório quando disse que pessoalmente é contra a prisão antes da decisão transitada em julgado, mas decidiu votar contra ela mesma.

Em um de seus artigos sobre o tema, Afranio reforça que a condução coercitiva é uma contradição, já que o réu ou indiciado tem o direito de ficar calado. “Por que conduzi-lo contra a sua vontade, à presença do Delegado de Polícia? Seria para tomar um “cafezinho” com a autoridade policial?”, ironizou.

Em seu entendimento, a condução coercitiva sequer é inconstitucional, pois o instituto foi revogado pela Constituição de 1988, sendo “incompatível com o sistema processual acusatório e várias outras regras e princípios constitucionais”.

“De qualquer forma, pela regra processual mencionada, a condução coercitiva, em qualquer hipótese, pressupõe uma intimação prévia e que ela tenha sido desatendida”, lembrou o jurista. Nas conduções determinadas pela Lava Jato, inclusive a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não houve convocação anterior em que o investigado ou acusado se recusasse a comparecer em juízo.

Condução para o espetáculo

Durante os votos, tanto os ministros contrários contra os favoráveis à condução coercitiva apontaram abusos na aplicação do instrumento, criticando a “espetacularização” das operações. A presidente do Supremo, ministra Carmen Lúcia, considerou que os abusos são inaceitáveis.

“Abusos praticados em investigação têm de ser resolvidos nos termos da lei, mas não aniquilam o próprio instituto (da condução coercitiva) na minha compreensão. Um remédio usado em excesso não faz do produto um mal em si”, ressaltou a ministra, que criticou a “espetacularização de práticas”, considerado por ela um “mal gravíssimo que precisa ser impedido”.

O relator Gilmar Mendes disse que a condução coercitiva se tornou um meio para a “espetacularização da investigação” e que o STF deveria restringi-la somente para situações em que um suspeito seja levado contra sua vontade à delegacia para identificação por exemplo, mas não para interrogatórios.

“Não há contraposição entre respeito aos direitos fundamentais e combate à corrupção. Combate a corrupção tem de ser feito nos termos estritos da lei. Quem defende um direito alternativo para combater a corrupção já não está no Estado de Direito. Mas é bom lembrar: assim se fez o nazi-fascismo”, disse o ministro.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, a condução coercitiva traz “constrangimento e intimidação” ao investigado e dificulta seu direito de se calar no depoimento. Ele ainda repeliu o uso do instrumento para substituir prisões preventivas e fez críticas a juízes que atendem ao “clamor público”. “Condução coercitiva sem ao menos intimação do acusado, vazamento de conversas sigilosas, prisões alongadas, entre outras violações, são inadmissíveis no estado democrático de direito”, disse.

Marco Aurélio Mello defendeu o fim da condução coercitiva por, segundo ele, representar uma espécie de “prisão-relâmpago”, que tem apenas o objetivo de desgaste da imagem do acusado ou investigado, quando o objetivo é um interrogatório.

“Não há razão de ser a ela. Visa o interrogatório na maioria das vezes. Na maioria das vezes só retrata o desgaste da imagem do cidadão frente ao semelhante”, disse o ministro.