Futebol e diversidade no Brasil: um debate urgente

"Já passou da hora de tirarmos nossas camisas e bandeiras do armário e ocuparmos todos os espaços, inclusive as arquibancadas".

Por José Roberto Medeiros*

Futebol LGBT

O futebol é uma paixão nacional. A frase é tão clichê quanto inegável, mas tem sentidos que precisamos aprofundar para trazer à tona debates fundamentais para nossa sociedade. É uma paixão nacional porque atinge todas as classes sociais, todas as raças, todos os gêneros e todas as orientações sexuais. A ampla maioria do povo brasileiro tem no futebol uma de suas paixões, mas por que, então, as arquibancadas ainda são vistas como espaço para homens heterossexuais? Pior, atualmente de homens brancos e heterossexuais, porque a elitização dos estádios tem entre seus efeitos mais nefastos o afastamento do povo negro e pobre das arquibancadas.

A presença da homofobia nos estádios, debatida à exaustão em virtude da legislação do país sede da Copa do Mundo que se inicia hoje, não é uma novidade russa. A história do movimento LGBT nas arquibancadas brasileiras começa na década de 70, com movimentos como a gremista Coligay (1977) e a rubro-negra Fla-Gay (1979). A primeira encerrou suas atividades em 1983, existindo durante o período mais vitorioso da história do Grêmio; a segunda também não durou muito tempo, sendo alvo de perseguições e sanções de torcedores e até da própria diretoria rubro-negra, na época, presidido por Márcio Braga.

Em pleno século XXI, o debate sobre a homofobia ainda é forte nos estádios. Torcedores LGBTs ainda não se sentem à vontade nas arquibancadas, bem como as mulheres sofrem com o machismo. Em março deste ano, um torcedor do Palmeiras sofreu uma série de ameaças e hostilidades por criticar a homofobia presente no estádio. Para o torcedor não fazia sentido o grito que dizia que todo gay era são paulino sendo ele, gay, palmeirense, dentro do estádio.

Situação similar vivi em 2013. Nesse ano, o Flamengo decidiu a Copa do Brasil contra o Atlético Paranaense e dei uma entrevista a um jornal do Rio de Janeiro sobre a experiência de ser gay e frequentar os estádios. Até então não havia tido nenhum tipo de problema com homofobia nas arquibancadas, mas a partir dali, tudo mudou. Foram inúmeros ataques nas redes sociais que me levaram a deletar minha antiga conta e me afastar por 2 anos dos estádios, só retornando quando do surgimento de movimentos e torcidas que buscavam levar aos estádios o combate à elitização do futebol.

O retorno aos estádios foi um encontro comigo mesmo. Como a maioria dos brasileiros, sou apaixonado por esse fascinante esporte e pelo meu time. Um retorno em um novo momento. Se em 1979, o então presidente do Flamengo alimentou a cultura de ódio contra os LGBTs, em 2017 os canais oficiais do clube fizeram discurso em defesa da diversidade. Se na década de 1970/1980 a Fla-Gay foi perseguida nos estádios, em 2017, uma das organizadas do clube, a Nação 12, decidiu pela abolição de um cântico homofóbico nos estádios. Sinais de novos tempos? Ainda não, mas sinal de que a luta vale a pena e que precisamos insistir para conquistar mais.

O futebol tem um enorme potencial de mudar vidas e trazer alegria para o coração dos torcedores e das torcedoras. Não podemos permitir que isso se torne um monopólio dos setores que sempre detiveram privilégios na sociedade. A arquibancada é de todos e todas! Devemos ocupar esse espaço como uma forma de resistência. Uma resistência que já encontra tímidas, mas significativas vitórias.

Foram vitória dos LGBTs quando o Corinthians divulgou um manifesto contra a homofobia em 2014, e, quando o Flamengo abraçou a diversidade em 2017. É uma vitória que diversas mídias levem o debate dos diversos preconceitos nos estádios para toda a sociedade. Essas vitórias, no entanto, só atingirão seu potencial máximo se nós, LGBTs, ocuparmos o espaço das arquibancadas e construirmos, no dia a dia, uma nova forma de torcer. Nova forma que passa pelo respeito à diversidade de gênero e de sexualidade, que traga as mulheres e a população LGBT para a arquibancada, que faça a luta contra todas as formas de opressão e pelo fim da elitização dos estádios.

O futebol é um patrimônio do povo. Não podemos deixar que a ganância do mercado limite nosso direito de torcer! Nossa paixão não está à venda, nossos times não estão à venda. Já passou da hora de tirarmos nossas camisas e bandeiras do armário e ocuparmos todos os espaços, inclusive as arquibancadas!

*José Roberto Medeiros é jornalista, historiador, mestrando em História Social no PPGH-UFF, filiado ao PCdoB e trabalha na CTB RJ.