Temer implode esporte e cultura para financiar segurança

Comunistas repudiam cortes em políticas públicas de esporte e cultura e defendem rejeição da Medida Provisória (MP) 841/18, que cria Fundo Nacional de Segurança Pública.

Por Christiane Peres

Temer implode esporte e cultura para financiar segurança - Reprodução da internet

Preso em sua própria armadilha, a emenda constitucional do Teto de Gastos, Michel Temer tem feito escolhas “inexplicáveis” para dar conta de sua gestão. Após as trapalhadas nas negociações para encontrar uma saída para a paralisação dos caminhoneiros, esta semana, uma nova Medida Provisória (MP) promete dar mais dor de cabeça ao emedebista do que ser, de fato, uma solução.

Trata-se da MP 841/18, que transfere parte dos recursos das loterias esportivas para financiar o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). A medida, desde que editada, na segunda-feira (11), vem recebendo duras críticas de vários setores. E no Parlamento não foi diferente.

Os comunistas classificaram a MP como “o maior ataque da história ao esporte brasileiro”. Em nota, deputados e a senadora do partido declararam que ao retirar os recursos que financiam parte das políticas de esporte e cultura no país para aplicar na repressão, “o governo demonstra estar refém das ações pirotécnicas de curto prazo, executadas em detrimento daquelas medidas formativas e inclusivas que, naturalmente, têm impacto no médio e longo prazo”.

Isso porque, a MP 841, ao direcionar parte da arrecadação das loterias federais para o Fundo Nacional de Segurança Pública faz uma “redivisão” da participação de setores como esporte e cultura nos repasses sociais das loterias.

Cálculos elaborados pelo Ministério do Esporte mostram que o setor vai perder R$ 514 milhões em recursos no próximo ano. Já o Ministério da Cultura terá um corte de R$ 319 milhões no Fundo Nacional de Cultura.
“Essa MP é muito grave. Políticas públicas de cultura e esporte são antídotos contra a violência, servem a difundir cultura de paz. O governo Temer faz isso porque é um governo desorientado, sem nenhuma capacidade de enfrentar os dilemas e a crise que o país atravessa”, disparou o líder da bancada comunista na Câmara, deputado Orlando Silva (SP).

A MP 841, além de acabar com o Fundo Nacional de Cultura, tira financiamento do esporte olímpico, paraolímpico, educacional, dos jogos escolares e universitários, além da assistência social.

Ex-ministro do Esporte do governo Lula, Orlando Silva, criticou a facilidade com que Temer destruiu a política de financiamento do esporte brasileiro. “Foi uma construção de década para pôr de pé o sistema esportivo brasileiro com esse financiamento que foi construído com a lei de incentivo ao esporte. Temer destruiu isso numa canetada. Mas quero crer que o Congresso deve reagir”, afirmou o parlamentar ao defender a rejeição da MP pelo Congresso.

Segundo ele, a crítica à MP é uma unanimidade no mundo esportivo. Em uma audiência pública convocada às pressas pela Comissão do Esporte da Câmara, realizada no final da tarde de quarta-feira (13), parlamentares de vários partidos, entidades ligadas ao esporte e esportistas criticaram duramente a medida.

Ainda no mundo político, o atual ministro da Pasta, Leandro Cruz, afirmou em nota que “tem plena consciência da crise na segurança pública que tem afetado a vida dos brasileiros”, mas destacou que a saída não é retirar recursos do esporte, “sabidamente um forte aliado no combate à violência”. No documento, Cruz afirma ainda que negociará junto ao governo e ao Congresso uma solução para o problema.

Já o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou em nota que vai trabalhar pelo projeto do MinC que efetivamente destina os recursos de loterias federais que cabem à Cultura para projetos culturais, por meio de editais. No Planalto, auxiliares do presidente viram a carta de Sá Leitão como um indicativo de que ele poderia deixar o governo. O ministro, no entanto, negou a intenção. “A insatisfação é grande, mas posso lutar melhor contra a redução de recursos ficando no governo”, disse.

Pressão por todos os lados

Além da participação na audiência pública, entidades ligadas ao esporte e à cultura do país também começaram a se articular para barrar a matéria no Congresso Nacional.

O Fórum Nacional de Dirigentes Estaduais de Cultura, que representa os secretários da área das 27 unidades federativas do país, se agrega a esta pauta. Em nota, a entidade repudia a MP. De acordo com o secretário da Cultura do Ceará e presidente do Fórum, Fabiano Piúba, o documento critica não só a diminuição de recursos, mas também a “visão limitada” de política de segurança apartada das políticas públicas.

“Política de segurança pública sem cultura é só violência. Para pensar em um plano de segurança é necessário pensar na articulação nas políticas públicas, e a cultura tem uma dimensão fundamental porque ela é um elemento de humanização”, disse.

A conta sempre pesa para o lado mais fraco

Vice-líder da Minoria na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), endossa a teoria de Piúba. A parlamentar, que defendeu a criação de uma Comissão de Cultura no Parlamento para debater especificamente as políticas públicas para o setor, criticou a decisão de Temer para “combater a violência”.

“Por conta do Teto de Gastos, ele tira recursos de outras políticas públicas para usar num fundo que tem o sentido de reprimir, porque quando ele tira recursos da cultura e do esporte é isso que ele está dizendo. Isso não é aceitável. Não se pode fazer a violência cessar tirando recursos de áreas onde essas crianças e adolescentes podem ter oportunidades de se transformarem em cidadãos plenos e se vincularem a outras visões de mundo”, disse.

Segundo Jandira, mais uma vez, é a população mais pobre que pagará a conta das ações governistas. “Temer tira da Assistência Social, da cultura, do esporte, da educação para financiar a segurança pública. É um absurdo. Em vez de tirar dinheiro dos bancos, de taxar as grandes fortunas, ele só tira dinheiro de políticas voltadas à população. É contra isso que continuamos lutando”, destacou.

O líder comunista, Orlando Silva, reforçou a defesa da revisão do Teto de Gastos pelo próximo governo. Segundo ele, o Teto defendido por Temer só beneficia o mercado financeiro e os rentistas. “É óbvio que é inviável. Aliás, o TCU [Tribunal de Contas da União] fez um estudo indicando que, em 2024, com esse Teto de Gastos, o governo entrará em colapso. Parece longe, seis anos, mas é logo ali. Inevitavelmente, após as eleições no Brasil, nós teremos que rever esse desastre que foi a emenda 95, que é uma medida que retira do Estado toda sua capacidade de iniciativa”, destacou.

Segundo ele, em momentos de crise econômica, em qualquer lugar do mundo, “o Estado tem um papel indutor, menos no Brasil, que reserva todo recurso que tem apenas para manter os lucros dos rentistas”. “O Brasil é um país onde a indústria está em crise, o comércio está em crise, os serviços estão em crise, o desemprego cresce, diminui a massa salarial, mas os bancos continuam tendo altos lucros. Alguma coisa está errada”, alertou Orlando.

Educação à míngua

Embora cultura e esporte sejam, até agora, as áreas mais barulhentas contra a medida, elas não são as únicas prejudicadas com a matéria. Os recursos destinados ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) foram, na prática, totalmente cortados. Isso porque o programa agora só receberá os valores dos os prêmios não reclamados pelos apostadores das loterias.