Juiz e procurador ordenam esterilização de mulher

 Uma moradora de rua, em Mococa, teve esterilização determinada sem direito de defesa e com cenas deprimentes de condução coercitiva para que o procedimento fosse realizado. Não é ficção. Oscar Vilhena, em seu artigo hoje na Folha, relata o caso e o absurdo da atuação de um promotor que, praticamente, forçou Janaína, uma mullher pobre e em situação de rua, a realizar a cirurgia. Porque assim o bem entendeu e assim o fez.

Grupo de mulheres se unem embaixo do viaduto para enfrentar a vida na rua e se protegerem - Marlene Bergamo/Folhapress

 O juiz, por seu turno, não fez uma audiência, não nomeou um defensou e nem mesmo exigiu documentos que mostrassem que houve consentimento por parte da mulher. Simplesmente determinou a condução coercitiva rumo à cirurgia.

E o recurso do município chega então ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Tarde demais, a mutilação já havia ocorrido.

Vilhena aponta o escatológico da situação. Primeiro o promotor utilizou-se de uma ação civil pública, que deve ser usada em outros termos, para tirar de uma pessoas eu direito à dignidade e à integridade. E constrangeu o município a praticar um ato ilegal.

Outro ponto levantado é o fato do magistrado, em vista da situação de vulnerabilidade de Janaína, não ter nomeado um defensor público que a representasse frente ao juízo. Ou seja, a mulher não foi sequer ouvida ou defendida, e sequer houve uma audiência sobre o caso.

Por fim, vem a Justiça de primeiro grau, e determina que Janaína fosse 'conduzida coercitivamente' ao procedimento. Ou à força. E lembrando que tal medida é prevista apenas para testemunhas ou acusados que se neguem a atender intimação. E mais, tal medida foi suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal.

Mas nada impediu o magistrado. Ele empregou a condução coercitiva para impor levar a cabo a supressão de um direito fundamental de Janaína.

Vilhena vai concluindo. Mostra que, mesmo uma aberração jurídica, este caso é uma amostra do "impacto perverso que a profunda e persistente desigualdade causa sobre o reconhecimento das pessoas como sujeitos de direitos".

E mesmo que o princípio da dignidade determine que todos devem ser tratados com igual respeito e consideração, "a miséria e a marginalização parecem tornar largas parcelas de nossa sociedade moralmente invisíveis no dia a dia, perdendo, na realidade, sua condição de sujeitos de direitos".

Por fim, Vilhena pondera que, mesmo que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo não tenha podido fazer o tempo voltar para Janaína, que isso "sirva de alerta e inspiração para quem têm por responsabilidade proteger direitos e não os violar".