"País é refém do cenário externo e dos especuladores internacionais"

O BC usa instrumentos "amigáveis ao mercado" limitados e não tem força para barrar uma fuga de capitais mais forte, alerta economista.

Por Carlos Drummond

Pedro Rossi

O real parou de desvalorizar após a ação do Banco Central na quinta-feira 7, mas ninguém sabe como serão as próximas semanas, pois a adoção de uma política cambial mais passiva desde 2015 reforçou a vulnerabilidade do País, dispara o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e autor do livro Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil (Editora FGV).

Os instrumentos usuais de atuação no mercado de câmbio, diz, como as intervenções e os swaps, apesar de importantes, não são suficientes para mitigar a volatilidade e as tendências cambiais geradas pelo setor financeiro.

"Não é razoável o grau de volatilidade da moeda brasileira que tende a se agravar no período eleitoral, quando a fuga de capitais é instrumento de coação do mercado financeiro. Foi assim em 2002 e um pouco em 2014, deve ser assim em 2018. E o pior é que essa prática antidemocrática funciona: os candidatos favoritos se dobram às demandas do mercado com medo da instabilidade que ele pode gerar." Rossi concedeu a CartaCapital a entrevista a seguir.

CartaCapital: É possível distinguir, no caso do Brasil, a responsabilidade específica da política cambial do Banco Central na desvalorização do real, semelhante à das moedas de outros emergentes como Argentina, Turquia e África do Sul e que tem a ver também com uma conjuntura de mudança na política monetária dos EUA e guerra comercial mundial iminente?

Pedro Rossi: O que dá a tendência do movimento cambial é principalmente o cenário externo. O Brasil é, entretanto, extremamente vulnerável e sensível aos humores dos investidores internacionais. O BC, ao adotar uma postura de política cambial mais passiva desde 2015, reforça essa vulnerabilidade. A leitura do mercado é que o BC não vai impor perdas para ele. Um dos motivos para a vulnerabilidade é um mercado de derivativos de câmbio muito líquido. Em maio o fluxo cambial foi positivo em 1,7 bilhão de reais, mas a desvalorização veio da pressão dos especuladores no mercado de derivativos.

CC: Como analisa a decisão do BC tomada na quinta-feira 8 de aumentar em 20 bilhões de dólares o volume de operações de swap e quais as consequências da medida para a população e a economia?

PR: É uma medida market friendly ou "amigável ao mercado", pois oferece liquidez em dólar no mercado futuro. Ou seja, o governo vende dólar futuro para quem quer se proteger da desvalorização do dólar, mas também para quem especula contra o real. Essa operação tem um custo fiscal se o real continuar desvalorizando, mas se a moeda brasileira se valorizar há ganho fiscal que aparece na conta de juros, fora das limitações do superávit primário.

CC: Aparentemente funcionou, ao menos num primeiro momento, pois o dólar caiu. Qual a durabilidade e o custo disso?

PR: Funciona, o resultado de curto prazo é visível inclusive na taxa de câmbio hoje, mas nada garante que isso possa ser sustentado ao longo das próximas semanas. Porque no fundo o Banco Central usa mecanismos que são "amigáveis ao mercado", mas ele não tem mecanismos estruturais para impedir especulação contra a moeda brasileira. Usa instrumentos, mas não tem força para barrar uma eventual fuga de capitais mais forte. Esse mecanismo de venda de swaps tem efeito limitado.

CC: Por que não tem força?

PR: Porque o mercado brasileiro é muito aberto, muito desregulamentado, principalmente o de derivativos e há uma quantidade muito grande de passivos de curto prazo e de participantes estrangeiros no mercado de derivativos. Quando o mercado atua contra a taxa de câmbio o BC não tem instrumentos estruturais para travar isso.

É diferente de 2012, quando o governo Dilma começou a aplicar uma série de medidas a partir de 2011, entre elas o controle de capitais sobre os fluxos, a administração do mercado interbancário de câmbio com oneração de posições dos bancos e também com o IOF sobre derivativos. Quando o governo fez isso, ele fechou uma estrutura e o mercado perdeu a força para atuar contra o governo. Isso até aumentou a eficiência dos swaps das intervenções, porque o mercado sabia que ele não tinha como enfrentá-lo pois estava mais amarrado, mais regulado. Hoje não tem mais esse controle, retirado ao longo de 2012 e 2013. Aí o mercado ganhou um protagonismo maior na determinação da taxa de câmbio.

CC: Os controles começaram a ser retirados portanto antes do golpe que removeu Dilma do governo.

PR: Sim. Foram substituídos por um programa de swap diário, mais "amigável ao mercado", a partir de 2013 e 2014, e que deu lugar em 2015 a uma política mais passiva de intervenção no mercado de câmbio.

CC: Ainda mais amigável.

PR: Mais amigável ainda. Swaps e reservas são instrumentos que você oferece ao mercado, se ele quiser compra, se não quiser não compra. São diferentes do IOF, em que se joga o custo no mercado. Então se alguém quiser especular vai ter que incorrer naquele custo. Se quiser por exemplo entrar no País para permanecer por dois meses, terá um custo, pois é um capital de curto prazo que será taxado. Essas medidas não são amigáveis. São justamente as medidas que eu defendo para tornar o mercado de câmbio brasileiro mais resiliente a especulação e fuga de capitais.

CC: Qual a sua explicação para esse recuo ainda no governo anterior?

PR: Ocorre que foi criada toda uma regulação para a apreciação cambial. O câmbio estava valorizando demais, chegou a 1,50 real por dólar em meados de 2011 e aí se montou uma estrutura para conter a valorização. Depois o mercado internacional mudou de sentido e as pressões passaram a ser para desvalorização, mas o governo não montou uma estrutura no sentido inverso, ou seja, para impedir uma volatilidade excessiva do real no rumo oposto.

Substituiu o que existia pelo mecanismo do swap. Depois, em 2015, passa a predominar uma mentalidade que fez parte do governo como um todo, uma guinada completa na política econômica incluindo uma política de crédito mais liberal, redução do papel dos bancos públicos e das estatais, política monetária e fiscal contracionistas e uma política cambial mais liberal no sentido de que o mercado determina a taxa de câmbio e o governo intervém pouco. Uma política passiva portanto, a partir da dupla Joaquim Levy no ministério da Fazenda e Alexandre Tombini no Banco Central.

CC: Há encaminhamento alternativo? Qual seria?

PR: Sim. Os instrumentos usuais de atuação no mercado de câmbio, como as intervenções e os swaps, apesar de importantes, não são suficientes para mitigar a volatilidade e as tendências cambiais geradas pelo setor financeiro. O desafio da política cambial é mais complexo e exige um olhar transformador sobre a atual institucionalidade do mercado de câmbio. A política cambial tem a importante função de neutralizar distorções provocadas pelo setor financeiro, reduzir a volatilidade da taxa de câmbio e fazer com que esse preço estratégico acompanhe as necessidades da economia brasileira. Não é razoável o grau de volatilidade da moeda brasileira, e é preciso atuar em três frentes de política cambial: a regulação de fluxos de capital, do mercado interbancário e do mercado de derivativos.

CC: Segundo relatam os jornais, alguns participantes do mercado receiam uma alta dos juros de supetão, do mesmo modo como fez o BC da Turquia, embora o BC brasileiro negue sistematicamente mexer nas taxas. É mesmo inevitável esse aumento dos juros? Por quê?

PR: O aumento de juros seria uma tentativa desesperada de conter a especulação contra o real às custas de mais recessão no Brasil. Essa discussão só mostra o quanto não temos autonomia de política econômica e o País é refém do cenário externo e dos especuladores internacionais.

CC: O Brasil está no primeiro pelotão dos países com moedas mais desvalorizadas o que seria uma decorrência, segundo vários economistas, de se aceitar nas últimas décadas déficits em transações correntes para viabilizar uma política econômica que visasse o controle da inflação e a atração de capital externo, em tese para financiar investimentos produtivos, mas na prática encaminhado em sua maior parte para a especulação. Concorda com essa visão? Por quê?

PR: Acho que essa explicação pode ser melhorada. O que fez o real valorizar demais tempos atrás, hoje faz o real depreciar demais. Desde 1999, quando adotamos o câmbio flutuante, o real tem sido uma das moedas mais voláteis do sistema internacional e sujeita a ciclos de forte valorização e desvalorização.

Essa volatilidade é decorrente de dois fatores (1) do alto patamar da taxa de juros que torna a moeda brasileira um alvo preferencial das operações especulativas e (2) de um ambiente institucional atraente para fluxos de capitais de curto prazo e para apostas nos mercados de derivativos de câmbio, onde se forma a taxa de câmbio dada a sua maior liquidez.

Por isso somos muito vulneráveis ao ciclo de liquidez internacional: por um lado, quando o cenário internacional está positivo, recebemos muito passivos de curto prazo e entrada de estrangeiros nos mercados de derivativos e por outro lado, sofremos mais pressão vendedora quando o cenário se deteriora.

Essa volatilidade tende a se agravar no período eleitoral quando a fuga de capitais é instrumento de coação do mercado financeiro, foi assim em 2002 e um pouco em 2014, deve ser assim em 2018. E o pior é que essa prática antidemocrática funciona; os candidatos favoritos se dobram às demandas do mercado com medo da instabilidade que ele pode gerar. Mas, por enquanto, ainda é cedo para associar diretamente essa forte desvalorização ao processo eleitoral.