Que tal um mundo sem palavras envenenadas?

"Viver, para Gramsci, é tomar partido e para ele ‘a indiferença é a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos’".

Por Maria Fernanda Arruda*

dialogo

Há mais de três mil anos os chineses criaram as moedas e desde Platão, passando por Hegel, a teoria das contradições encorpou-se até firmar-se em cada ato da vida. Cara e coroa, plebe e reinado, tese e antítese, a unidade dos contrários. Existe o sim porque existe o não. Em política há direita e esquerda; não há centro. Não ata nem desata será impuro recato? Há vácuos, miragens, há o talvez, e neste espaço vazio há vacilações, oportunismos, fertilizam-se no Brasil parlamentar o engodo e o toma-lá-dá-cá.

O imaginário centro ludibria, dissimula, mente dissimuladamente. No Brasil político ou na política perenizada no Brasil, centro é a ficção do armário onde a direita enfurna o embuste e o embusteiro.

Aqui, mesmo aqui, na instauração de um processo penal regular, há o acusador de um lado, o acusado do outro; ao julgador resta exclusiva a tarefa de mediar a colisão até a formação do convencimento, a síntese. A sentença não é centro; é o assumir as razões de um parte, a escolha de um dos lados em conflito; e é vital que assim seja para não sepultar a consistência da igualdade. Um juiz que se afasta do papel sintetizador, apodera-se da arma acusatória, empunha-a e a manipula, despe-se da toga.

Qualquer semelhança é mera coincidência? Viver, para Gramsci, é tomar partido e para ele ‘a indiferença é a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos’.

Impõe-se o confisco da essência proclamada nas afirmações ‘sou de centro’, ‘sou imparcial’. Direita, esquerda, não há marcha no centro, não há meio-termo. Há pêndulos, oscilações, ultrajes. Decifrar condutas, sequestrar do oportunismo o refúgio da indecência, desvendar o mito platônico das cavernas.

Que tal, então, imaginarmos um mundo sem palavras envenenadas?

Maria Fernanda Arruda é escritora e midiativista.