Guadalupe Carniel: Calendário maior não garante futebol democrático

“La Copa se mira y no se toca”. Era assim que se referiam à Libertadores da América, principalmente os times do Pacífico, devido à dificuldade de vencer os times de países como Argentina, Brasil e Uruguai. Ontem (4), foi realizado o sorteio das oitavas-de-final do torneio, em Luque (Paraguai). A previsão para o retorno do campeonato é após a Copa, dia 5 de agosto, mas ainda não dá datas ou horários disponíveis. 

Por Guadalupe Carniel* 

libertadores 2018 - Divulgação

Dos 16 clubes do certame, temos: 1 da Colômbia (Atlético Nacional), 1 do Chile (Colo-Colo), 2 paraguaios (Cerro e Libertad), 6 brasileiros (Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Grêmio, Palmeiras e Santos) e 6 argentinos (River Plate, Racing, Estudiantes de La Plata, Boca Juniors, Atletico Tucumán e Independiente). Tirando o Tucumán, não temos nenhuma surpresa de clubes que não sejam elitizados, além de nada menos do que DOZE equipes de apenas dois países, Brasil e Argentina.

Essa configuração nos remete à Mercosul, a competição esportiva, não o bloco econômico. Um torneio do final dos anos 1990 (foi de 1998 a 2001), criado por uma empresa de marketing esportivo (sim, eu destruo os sonhos dos que acreditam que lá atrás o futebol era algo puro), a Traffic, onde só times dos países Mercosul  – agora sim o bloco econômico – que estivessem nos rankings dos melhores públicos e visibilidade eram indicados para participar pelas Federações nacionais. Ou seja, era um campeonato elitizado, afinal nunca seriam incluídos clubes de menor expressão midiática, por mais que tivessem superior qualidade técnica. E tudo com um único objetivo: ser caça-níquel. 
 
Ah, lembrando que os prêmios, sempre em dinheiro, eram ótimos para a época, sendo mais uma forma de renda para os participantes (a título de curiosidade: também foi criada na mesma época, mas pela Conmebol, a Merconorte, com times da Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e Venezuela. De vez em quando algum mexicano ou costariquenho era convidado).
 
Mas, voltando à Libertadores, para chegar nessa fórmula, que não traz nada de novo e beira a Champions League europeia com sua previsibilidade, temos que relembrar o ano de 2016, quando foi anunciada pelo presidente da Conmebol que o calendário passaria por mudanças: com 42 semanas (antes girava em torno de 27), mais clubes para assim (de 38 para 47) gerar o desenvolvimento do futebol sul-americano e aumentar o interesse do público (não falaremos da final em campo neutro, esse é outro capítulo que merece atenção). 
 
Falar que o calendário torna a competição mais democrática e que assim pode desenvolver o futebol daqui é puro caô, como diriam os cariocas. Porque na prática, são criados regulamentos para ampliar as desigualdades entre times, vide que os dez times que saem na primeira parte da competição, podem entrar na Sul-Americana direto – os que tiveram melhor campanha que os demais desclassificados – o que garante um ano cheio para grandes clubes. 
 
A Libertadores é apenas a ponta do iceberg. Cria-se a ideia de inchar diversos campeonatos, como querem um Mundial de Clubes com 24 participantes. Mas, isso é apenas uma ilusão, afinal sempre jogarão os mesmos, com uma “zebra” aqui e outra acolá. Isso não é democratização. E o futebol periférico em cada um desses países que participam? Por exemplo, o Brasil, em quase dez anos, “perdeu” 8% de times registrados. Como se isso fosse pouco, 90% jogam em média 19 partidas por ano, segundo dados da FVG, de 2018. Enquanto no outro extremo há equipes que jogam 70 vezes (outros times encontram-se no meio, conseguindo manter até que uma constante durante o ano, mas com um número de jogos intermediário). Como mudar tudo isso?
 
O mesmo fenômeno pode ser visto em outros países do globo. A ideia é justamente essa: aumentarem os abismos, mas darem a falsa sensação de que há uma tentativa de integração. Sabe aquele papo de meritocracia? Então, ele também passa pelo futebol. Não se esforçou? Não tem vaga pra Libertadores, oportunidades não faltam.
 
Portanto, se você está feliz com os confrontos que verá no torneio, eu não tiro sua razão. Não serei hipócrita ao ponto de dizer que não verei um Racing x River, pelo contrário. Mas, creio que falta mais consciência de que números maiores não garantem qualidade ou inclusão. Na maioria das vezes, só aumenta. Para uns ganharem, outros tem que perder. E o futebol tem se especializado cada vez mais em perder para a Conmebol e sua ganância.