O movimento cíclico e a crise do capitalismo

“Voltamos praticamente ao impasse do começo do Século XX quando a Bolsa de Nova Iorque quebrou. Sem regulação, sem regras mínimas de negociação e convivência, sem a proteção aos direitos dos trabalhadores e sem estímulo à produção, será que o capitalismo rentista está disposto a ser disciplinado ou voltaremos à ‘mão invisível’? É preciso repensar uma nova forma de organizar o capital, sob pena de uma “autofagia” sem retorno”.

Por Enio Pontes de Deus*

Após a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, quando teve início a chamada “Grande Depressão” americana, o momento atual do capitalismo talvez seja o mais grave. A farra do liberalismo impulsionado na primeira metade do Século XX levou a economia americana ao colapso.

A “mão invisível” de Adam Smith não foi suficiente para tirar da bancarrota um sistema fundamentado no Laissez Faire não havendo a mínima regulação dos mercados. O resultado foi a falência em massa das empresas, tendo como consequência uma multidão de desempregados e o estado sem condições de reagir a tamanha situação de crise.

Vale lembrar que um dos principais motivos para a eclosão da II Guerra Mundial foi a brutal crise econômica mundial, forçada pela situação americana, além, claro, das justificativas políticas, como o combate às ideologias “totalitárias” (fascistas) de Adolf Hitler na Alemanha e de Benedito Mussolini, na Itália.

O pensamento liberal houvera sofrido um duro golpe com a derrocada, sobretudo da economia americana, tida como exemplo de um “capitalismo que dá certo”. Era preciso encontrar o caminho para a retomada do crescimento econômico e certamente o modelo até então seguido, qual seja o do capitalismo sem qualquer amarra ou regulação definitivamente não era a melhor opção.

Recorreu-se então ao pensamento do economista inglês John Maynard Keynes, cujo fundamento estabelece-se, entre outros postulados, na intervenção do Estado na economia, com o objetivo de determinar as regras a serem aplicadas no mercado. A chamada “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, opunha-se às concepções liberais estabelecidas à época e propunha a figura do Estado como ator fundamental e estratégico no controle da economia, para que houvesse a retomada do pleno emprego.

A partir das concepções intervencionistas implantadas na economia norte-americana (New Deal) foi possível vislumbrar uma saída, ainda que demorada, para a crise econômica instalada após a quebra da Bolsa de Valores, em 1929. Agora com a “mão do Estado” e não com a “mão invisível”, o Estado começou a ditar as regras para o restabelecimento de uma política econômica de crescimento. Criaram-se políticas de salários-mínimos, de redução das jornadas de trabalho e ainda de regras claras para a negociação em Bolsas de Valores.

O fim da II Guerra Mundial marcou a retomada da economia americana, principalmente alavancada pelas medidas protecionistas e de regulação dos mercados adotadas pelo governo. Na Europa, o Plano Marshall teve a finalidade de colaborar com a reconstrução da economia do Velho Continente. O pós-guerra apresentou uma nova geopolítica mundial: de um lado os países capitalistas, liderados pelos EUA; de outro, países de viés socialista, liderados pela então União das Repúblicas Socialista Soviéticas – URSS, tendo a Rússia como principal liderança.

O ambiente sócio-político do pós-guerra agitava-se entre o investimento internacional de grandes empresas na sua maioria norte-americanas, e ainda o crescente desenvolvimento dos bancos e o surgimento de outras entidades financeiras como o Banco Mundial e o Banco Intermericano de Desenvolvimento – Bird. A filosofia de estabelecer marcos regulatórios na economia capitalista prevalecia, administrando a taxa de juros, o câmbio e a emissão de moeda.

Todavia, a escalada de crescimento sofreu uma forte retração com a chamada “crise do petróleo”, no início dos anos 1970, o que gerou uma recessão que perdurou durante toda a década. Por outro lado, aqui no Brasil, o Golpe Militar reforçava-se com a implantação de um plano econômico que ficou conhecido como o “milagre brasileiro”. Os militares impulsionaram a economia com dinheiro emprestado por instituições financeiras americanas. Os resultados foram, inicialmente, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), avanços na infraestrutura e uma elevação da oferta de empregos.

Mas a fórmula de crescimento, apoiada por endividamento externo, chegou à exaustão. A Dívida Pública cresceu muito, a inflação disparou e os níveis de desemprego cresceram assustadoramente. Os anos 1980 sofreram os efeitos da recessão econômica e ficou conhecido como a “década perdida”.

Na década de 1990 a reação do capitalismo foi a reedição do liberalismo, desta vez batizado de neoliberalismo, tendo como um dos marcos fundadores o “Consenso de Washington”, que recomendava a adoção de condutas econômicas liberais com a finalidade de “combater as crises econômicas, a situação de miséria e o subdesenvolvimento de países do Terceiro Mundo”. Os fundamentos do Consenso de Washington foram implementados em parte no Brasil, pelos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (PDSB).

O governo FHC impôs ao país um ajuste fiscal, centrado basicamente na redução dos investimentos sociais e na máquina pública. Também promoveu uma política de privatização com o objetivo de diminuir o tamanho do estado. Neste período foram entregues a “preços de banana”, as empresas Vale do Rio Doce, o Sistema Telebrás, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), além de outras estatais. Na contramão das medidas neoliberais adotadas pelo governo tucano, o endividamento externo cresceu e o país ficou refém dos “pacotes econômicos” do Fundo Monetário Internacional.

Mas enquanto a indústria brasileira sofria com a concorrência internacional, em função da abertura provocada pelo governo FHC, o sistema financeiro ganhava espaço, aumentando seus lucros com os juros auferidos pelo Serviço da Dívida. O governo federal também ajudou a estimular e fomentar o setor rentista, com a adoção do Programa de Estímulo e Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (Proer), cujo fundamento foi colocar dinheiro público em instituições financeiras que estavam com problemas, não por falta de dinheiro, mas, muitas vezes, por gestão fraudulenta no mercado financeiro.

A sequência de fatos é bastante esclarecedora para explicar o atual momento do capitalismo no Brasil. Com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua posse em 2003, parte da agenda neoliberal foi suspensa, sobretudo os programas de privatização; houve uma diminuição da dependência do país às entidades financeiras internacionais e com o FMI, além da retomada de uma política industrial voltada para o atendimento do mercado interno. Fugindo da agenda neoliberal, os governos petistas conseguiram diminuir as desigualdades sociais por meio da adoção de programas de distribuição de renda, a pobreza diminuiu e a forte retomada do emprego, com estímulo à indústria, ao agronegócio, e ainda investimentos significativos na infraestrutura.

O golpe perpetrado pela então presidente Dilma Rousseff teve a clara intenção de modificar a matriz econômica nacional, saindo do investimento social e privilegiando os setores financeiros, principalmente bancos. O presidente ilegítimo trouxe novamente a agenda neoliberal para a administração pública.

Ele promoveu mudanças desastrosas para os trabalhadores, com a aprovação da reforma trabalhista, que na prática, acaba com a CLT, aprovou o projeto que institui a terceirização em todos os níveis da administração pública e, por fim tentou aprovar uma Emenda Constitucional que modifica as atuais regras da aposentadoria dos trabalhadores.

Seguindo a agenda neoliberal e apoiado pelo PSDB e demais partidos de centro/direita, aprovou a chamada “Emenda do Fim do Mundo”, que congela por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, todavia, deixando de fora os pagamentos de juros da Dívida Pública. O que nos parece de uma clareza solar é que esse modelo neoliberal está com os dias contados, não apenas no Brasil, mas também em nível internacional, porque não tem sido capaz de dar às respostas necessárias as crises que se apresentam.

Voltamos praticamente ao impasse do começo do Século XX quando a Bolsa de Nova Iorque quebrou. Sem regulação, sem regras mínimas de negociação e convivência, sem a proteção aos direitos dos trabalhadores e sem estímulo à produção, será que o capitalismo rentista está disposto a ser disciplinado ou voltaremos à “mão invisível”? É preciso repensar uma nova forma de organizar o capital, sob pena de uma “autofagia” sem retorno.

*Enio Pontes de Deus é professor,  presidente da ADUFC-Sindicato, coordenador regional do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida no Ceará e coordenador adjunto do Fórum Estadual de Educação.


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