A dupla jogada de Messi que beneficia a seleção argentina

É preciso registrar: a seleção argentina chega ao Mundial com a autoestima em alta. Perdão? É evidente: nenhuma equipe seria capaz de fazer o que Leonel Messi e companhia fizeram nesta terça-feira (5).

Por Sebastián Fest

Messi - Aníbal Greco

Foi uma sacodida completa – em apenas um par de horas – nas três regiões monoteístas. Na Católica porque alguém no Vaticano pareceu não se inteirar de que Messi e companhia haviam dito “não” para o convite de visitar o Papa. Na muçulmana porque a perspectiva de que o melhor jogar do mundo iria se aliar a Benjamin Natanyahu e Donald Trump parecia tão inevitável quanto doloroso a seus fiéis. E à judaica porque este “não” que chegou de último minuto foi uma cacetada para os que impulsionavam o projeto de “Jerusalém capital eterna de Israel”.

Chega de misturar as coisas, poderiam argumentar alguns. A seleção deve se ocupar é de chegar com seu melhor futebol ao Mundial, e aí há razões para pensar que a autoestima não sobra hoje. E teriam razão, porque a seleção é uma equipe de futebol, de nenhuma forma um grupo de homens que deve intervir nas turbulências sem fim do explosivo Oriente Médio. Mas faz pouco que o caminho da seleção foi acidentado, imprevisível e surpreendentemente. Se a reta final para um Mundial serve para aceitar circuitos, poluir funcionamentos e “fazer” equipes, a realidade prova que os homens liderados por Jorge Sampaoli chegarão a uma estreia na próxima semana contra a Islândia sem ter jogado uma partida séria desde 27 de março, quando foram derrotados de 6 a 1 pela Espanha.

Nenhuma seleção com aspirações dá tal vantagem frente ao Mundial. Alcançarão os treinamentos? O fato de a Islândia, o primeiro rival, ser uma equipe mais entusiasta que de peso jogará um papel? Talvez sim, talvez a equipe vá crescendo como grupo até gerar isso que quando se trata de um mundial tanto pesa: uma equipe com força mental. Porque saber jogar futebol todos sabem, e a regra básica da Argentina não mudou, é a de sempre, aproveitar da melhor forma o desempenho de Messi. Poderão? A pergunta não é nova, a resposta é incerta.

Mas enquanto a seleção aproveita seus últimos dias em Barcelona antes de chegar à concentração de Bronnitsy, tem tempo ainda para aprofundar o despropósito do “affaire Israel”.
Ainda que jogar em Tel Aviv ou em Haiva fosse o lógico, para o governo de Natanyahyu era muito importante que o melhor jogador do mundo pisasse em Jerusalém, essa cidade objeto de disputa entre palestinos e israelenses. Depois de vencer a causa a embaixada dos Estados Unidos, que deixou Tel Aviv para instalar-se em Jerusalém, uma foto de Messi seria o golpe final, uma conquista diplomática.

Mas assim como Israel tem interesses, Messi tem os seus também. O “não” a Jerusalém vai muito além da conjuntura, é colocar as luzes altas até 2022. Qualquer um que tenha visitado os países árabes encontrou com muito mais gente vestindo camisetas da Argentina e de Messi que do Brasil e de Neymar. A Argentina é a favorita nos países árabes, mas também em nações muçulmanas de enorme população como Paquistão ou Bangladesh. Trata-se de países demograficamente muito jovens e enlouquecidos por futebol. Dezenas de milhões de fãs que poderiam não entender que seu ídolo jogasse em Jerusalém. Muito menos os palestinos, que apesar de poucos, mas idolatram Messi. Poderia se converter num ídolo traidor?

Não seria. Por sentido comum – esse que segue extraviando-se na AFA – e por duplo e são egoísmo pessoal. Por um lado, convém recordar que o Estado Islâmico, ou ao menos gente que diz responder em nome deste grupo, difunde imagens sangrentas para insistir que executará um capitão da seleção durante o Mundial da Rússia. Messi é marido e pai, e o fato de a ameaça ser absurda não diminui o calafrio.

O outro fator se chama Qatar 2022, o primeiro mundial no mundo árabe. Messi tem afirmado que vai jogar aos 35 anos, e não pode permitir que um torneio que se sustentará sob sua figura e promete muitos negócios interessantes termine se convertendo num Mundial hostil para ele e para seus companheiros. Com o “não” a Jerusalém, Messi se consolida como ídolo absoluto no mundo árabe. “Ganha” o Qatar quatro anos antes. E é também por isso que respira hoje mais tranquilo.