Colômbia sob a mira de Vargas Llosa e sua apologia à violência

Demonstrando que os anos, longe de torna-lo mais sábio, têm potencializado sua obsessão e seu fanatismo, Mario Vargas Llosa declarou há uns dias em Madri que a eleição de Gustavo Petro na Colômbia seria um erro grosseiro.

Por Atílio Borón*

Vargas Llosa - Wikicommons

Segundo o escritor peruano, Petro é “um candidato muito perigoso que pode empurrar a Colômbia cada vez mais para soluções do tipo coletivistas e estatais, ou seja, ao populismo”. Obviamente, trata-se de opiniões que carecem de fundamento. A esta altura de sua vida, Vargas Llosa não se preocupa em estudar seriamente os temas sobre os quais opina, mas sim emite despreocupadamente os pensamentos que lhe ocorrem, produtos cerebrais que não devem ser confundidos com as ideias. Quem quiser ver um catálogo completo destes pensamentos não precisa mais que ler seu último livro, La Llamada de la Tribu [O chamado da tribo, em tradução livre].

Neste caso, o Nobel peruano não só não se deu ao trabalho de estudar a proposta de Petro e da Colômbia Humana, coalizão que o apoia, mas também cometeu o disparate maiúsculo de afirmar que a Colômbia “é uma democracia que funciona; as instituições na Colômbia funcionam, há uma tradição institucional”. Ele diz isso de uma democracia que esteve em guerra durante mais de 50 anos e que pela pressão de uma parte do Congresso e do Poder Judicial não tem cumprido e ainda sabotado sistematicamente o processo de paz. Vale recordar também que, quando consultada, a população rechaçou os acordos de paz entre o governo e a guerrilha (no referendo o não obteve 50,2% dos votos contra 49,8% do sim) e os meios de comunicação tiveram muito a ver com tão lamentável resultado que mostrou, além de outras coisas, a profunda fratura que divide a sociedade colombiana.

Uma democracia que, segundo cifras oficiais, “desde o momento que a guerrilha baixou as armas, em junho de 2017, foram assassinados 85 ex-combatentes ou seus familiares… e entre o começo do ano passado e o transcorrer deste, a violência recaiu de forma fatal sobre 260 líderes sociais, entre os quais estão parte dos 166 da Marcha Patriótica assassinados entre 2011 e 2018” [1].
Seguramente quando Vargas Llosa fala de “tradição institucional” está pensando na que foi instituída pelo padrinho do candidato Iván Duque.

Está claro que falamos do narcopolitico Álvaro Uribe, denunciado desta forma pelo FMI e pela DEA [Administração de Repressão às Drogas] em 1991e que desde então é um refém de Washington. É uma pena que lhe ocorra o mesmo que aconteceu com outro narcopresidente, o panamenho Manuel Antonio Noriega, que terminou condenado a quarenta anos de prisão [2]. Em sua condição de refém dos EUA, Uribe – e por extensão seu peão Iván Duque – deverá fazer o que Trump ordenar. E se é refém do refém e não obedecer Uribe, pode seguir os passos de Noriega.

Seguramente para Vargas Llosa este é um detalhe menor que de forma alguma mancha a imaculada tradição institucional colombiana. Ou mesmo que existam 13 colaboradores próximos do governo de Uribe condenados ou processados pela justiça [3]. Ou que, quando era presidente, Uribe tenha organizado o recrutamento (ou sequestro) de milhares de jovens colombianos dos povoados mais distantes do país, enganando-os com a promessa de emprego, para vesti-los de guerrilheiros e fuzilá-los e assim melhorar as estatísticas ao apresentar essas “vítimas” como prova da “eficiência” da política de combate à guerrilha proposta por ele.

É necessário lembrar que o cúmplice destes crimes foi o atual presidente Juan Manuel Santos, que era seu Ministro de Guerra. As valas comuns que existem por todo o território colombiano são outro indício da qualidade da democracia deste país, posta em perigo agora pela candidatura de Gustavo Petro, o mesmo vale para os mais de sete milhões de deslocados pela violência do paramilitarismo e do narcotráfico e para o conflito armado [4].

Enfim, as listas das monstruosidades perpetradas por esta peculiar democracia colombiana seriam intermináveis. Mas isso Vargas Llosa não ousa dizer em seus “killers literários” fieis às suas obsessões reacionárias e leais aos seus chefes políticos de Washington e Madri. Por isso ele sai matando, com suas palavras, hoje Petro ou Andrés Manuel López Obrador [candidato no México], e antes Cristina Kirchner, Dilma Rousseff, Lula, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Rafael Correa, Evo Morales, em suma, todos os que tiveram a ousadia de se negar a servir ao império. Como qualificar a conduta deste narrador peruano? Simples: isso se chama “apologia à violência” e é uma forma de crime.

Notas: 

1 – https://www.semana.com/opinion/articulo/proceso-de-paz-en-colombia-y-duque-columna-de-jorge-botero/569556

2 https://nsarchive.gwu.edu/briefing-book/colombia/2018-05-25/narcopols-medellin-cartel-financed-senate-campaign-former

3 – As batalhas perdidas pelo Uribismo na Justiça

4 “Colômbia abre a maior vala comum de desaparecidos do mundo”