Os clubes soviéticos e as instituições do país

Na União Soviética, além do Partido Comunista, as organizações de massa eram parte essencial do sistema revolucionário. Essas organizações funcionavam como “correias de transmissão”. Para os líderes soviéticos, os esportes tinham função de extrema importância na engrenagem social.

*Por Emanuel Leite Jr.

Futebol urss

Além disso, ainda havia a preocupação com o caráter alienador do futebol. Por essa razão, no futebol soviético cada clube representava alguma sociedade esportiva que era operada por instituições do país, como o Exército, Ministérios, empresas estatais, sindicatos, e, em alguns casos, diretamente pelo poder público municipal ou regional (sem falar de clubes que tinham patronos nas lideranças do Partido ou no poder local).

CSKA Moscou, o último campeão da Copa da União Soviética em 1991

Um exemplo de ligação entre clubes e um Ministério é o caso dos Dínamos. Em 1923, foi fundada a Sociedade Esportiva Dínamo (SED), ligada ao Ministério da Administração Interna, especialmente à polícia secreta (NKVD, num primeiro momento, e, posteriormente, KGB). O Dínamo Moscou seria a matriz dessa sociedade, uma vez que foi fundado no dia 18 de abril de 1923, mesma data de fundação da SED. Em 1925, a Sociedade Dínamo chegaria à Geórgia, com o Dínamo Tbilisi. Kiev (Ucrânia) e Minsk (Belarus) ganhariam o seu braço do Dínamo em 1927. Enquanto o Dínamo de Moscou era dirigido diretamente pela sede do aparato da segurança interna, os Dínamos de Kiev, Tbilisi e Minsk eram responsabilidade das representações do Ministério em suas respectivas repúblicas.
 

Outro clube ligado a um Ministério, no caso o da Defesa, era o CSKA Moscou. Fundado como OPPV (Recreativo Experimental e Exibicional da Associação Educacional Militar), foi como CDKA (Casa Central do Exército Vermelho) que disputou o Campeonato Soviético desde sua primeira edição em 1936 até 1950. Entre 1951 e 1956, passaria a se chamar CDSA (Casa Central do Exército Soviético), ainda foi CSK MO (Casa Central do Ministério da Defesa), até chegar a 1960 e a atual designação, CSKA (Casa Central do Exército). Ou seja, era o clube do Exército Vermelho.
Como foi dito no primeiro “Era uma vez na União Soviética”, os esportes soviéticos eram formalmente amadores. E digo formalmente porque, na prática, os atletas de elite podiam se dedicar aos treinos e às competições. Os jogadores dos Dínamos e do CSKA Moscou, por exemplo, eram funcionários dos Ministérios da Administração Interna e da Defesa, respectivamente. Por isso, esses clubes também tinham maiores condições para persuadir os melhores jogadores. 
 
Isso explica, por exemplo, como o CSKA viveu seu período mais glorioso exatamente logo na sequência do triunfo soviético na II Guerra Mundial, como conto mais detalhadamente no livro “A história do futebol na União Soviética”.
 
O Spartak Moscou, por sua vez, foi fundado em 1922 como Círculo Esportivo Moscou (MSK), uma organização que visava a promoção da prática esportiva. E embora estivesse ligado à Promkooperatsiia (uma organização sindical que reunia várias ocupações, como a dos trabalhadores do ramo alimentício), tinha algumas ligações com o poder local da cidade de Moscou. Nikolai Starostin, ídolo e um dos fundadores do Spartak, era bem articulado, com patronos influentes na cidade. Havia outros clubes ligados à sociedade Spartak, com destaque para o Ararat Yerevan, da Armênia, que foi campeão soviético em 1973.
 
Outros clubes tinham ligações com Ministérios ou sindicatos, como por exemplo: Lokomotiv Moscou (Ministério das Ferrovias e trabalhadores ferroviários), Torpedo Moscou (representante de uma das maiores empresas automobilísticas da União Soviética), Zenit Leningrado, atual São Petersburgo (inicialmente ligado à indústria siderúrgica, posteriormente à LOMO – União de Óptica Mecânica de Leningrado) e o Dnipro Dnipropetrovsk, da Ucrânia (Sociedade Esportiva Voluntária Soviética dos Metalúrgicos).
 
A influência dos patronos ou mesmo diretamente do Estado no sucesso dos clubes eu abordo no livro “História do futebol na União Soviética”. Por exemplo, as fases áureas dos Dínamos de Kiev e Tbilisi.
 
E atualmente?


Em relação aos clubes russos, é preciso analisar cada caso em particular. 
Durante a transição do comunismo para o capitalismo, o treinador do Spartak Moscou, Oleg Romantsev, tornou-se o dono do clube. Quando o Spartak enfrentou problemas financeiros, Romantsev vendeu suas ações a um magnata. Atualmente o clube é propriedade do bilionário Leonid Fedun.
 
O CSKA Moscou manteve suas ligações ao Ministério da Defesa. O clube, entretanto, passou por um processo conturbado após sua privatização, com disputas de bastidores que envolveram não apenas o Ministério, como outros órgãos estatais, em meio a conflitos entre acionistas. Atualmente, o Ministério da Defesa detém 25% das ações, outros 25% pertencem a um grupo de investimentos russo chamado AVO Capital e 49% estão nas mãos da Bluecastle Enterprises (que também é acionista da AVO Capital) e pertence a Evgenii Giner.
 
A situação do Dínamo Moscou não é tão clara. O clube seguiu ligado ao Ministério da Administração Interna, mas no período de transição também passou por algo semelhante ao que aconteceu com o rival Spartak. Em 1991, Nikolay Tolstykh e Valeri Sysoev dividiram as ações do clube entre si. Desde então, o Dínamo passou por vários proprietários, o último deles foi o banco russo VTB Bank. À beira da falência, o clube voltou a pertencer à Sociedade Esportiva Dínamo, mas é incerta qual a participação do VTB atualmente.
 
Em 1990, o Zenit Leningrado se desligou da LOMO e passou a ser um clube do município. Em 2005, a gigante do setor energético Gazprom (cujo acionista majoritário é o Governo Russo) adquiriu o clube da atual São Petersburgo.
 
Atual campeão russo, o Lokomotiv Moscou pertence à estatal Ferrovias Russas, mantendo, portanto, sua tradição histórica. O Torpedo Moscou, depois de ter passado por um processo de privatização atribulado e de ter estado nas mãos da Luzhniki Corporation, voltou a fazer parte da empresa automobilística ZiL. O Torpedo, entretanto, está na terceira divisão russa.